O uso das competências como ferramenta de gestão de desempenho nasceu nos Estados Unidos, na década de 30. Com a passagem da lei Wagner-Peyser, que criou o United States Employment Service, o governo americano tinha a necessidade de desenvolver parâmetros que tornassem trabalhos diferentes comparáveis. As competências eram a principal parte de um dicionário de ocupações dessa autarquia.

O motivo da criação do dicionário era simples: para que o governo pudesse atender os desempregados do país com seguro-desemprego (lembre-se que a crise de 1929, a Grande Depressão, foi a maior crise econômica da história dos EUA).

A ferramenta permitia que o governo tivesse critérios objetivos para casar todos que requeressem seguro-desemprego com vagas abertas em empresas e outros empregadores. Apenas quando ficava provado que esses candidatos não tinham achado nenhum emprego dentro de suas capacidades, podiam ter acesso ao benefício financeiro.

As experiências profissionais eram fatores limitantes para a criação de um dicionário útil: se um cidadão tivesse sido analista financeiro em uma indústria, poderia ele ser responsável pelas contas a pagar de um comércio? A única forma de avaliar o assunto seria estabelecer algum tipo de medida de potencial de adaptabilidade que garantisse a possibilidade de uma ponte ao novo trabalho.

O primeiro passo foi o conceito de famílias de empregos (job families), que agregavam empregos de características diferentes. As famílias eram baseadas nas principais atividades de um emprego-base, como por exemplo “negociação”, “análise”, “supervisão" ou “troca de informações”.

Na década de 50, as famílias tiveram seu escopo alargado, e passaram a abranger capacidades, temperamentos, interesses, demandas físicas e condições de trabalho, em adição às atividades do emprego-base. As descrições usadas para agrupar as famílias de empregos evoluíram para o que hoje conhecemos como competências, que passaram a ser usadas também em avaliações de performance.

Já na segunda metade do século, as competências se separaram em duas grandes escolas: a escola americana, liderada por David McClelland, que posteriormente veio a dar origem à Hay Group, que entendia as competências como conhecimentos, habilidades e atitudes (o famoso CHA), e a escola francesa, liderada por La Boterf, que entendia as competências como a aplicação efetiva dos CHAs e a obtenção de resultados.

Competências como "estoque" de conhecimentos, habilidades e atitudes

A distinção é muito importante: quando falamos de 'competências', muitas vezes pensamos em um estoque: um tanto de coisas que guardamos em um armário. De um estoque de coisas que temos, aplicando-as ou não.

É essa a ideia passada pela escola americana de McClelland, e é o que pensamos naturalmente quando pensamos em conhecimentos, habilidades e atitudes (talvez menos em atitudes): pensamos em algo que se tem (eu sei falar francês) independentemente de se eu uso esse conhecimento efetivamente na prática (se eu consigo me virar em Paris falando francês).

Mas quando falamos de 'competente', no sentido de 'fulano é competente', já temos muito mais a sensação de que fulano tem alto desempenho, entrega resultados sólidos, etc. A visão francesa, de Le Boterf, é justamente essa. Não basta ter CHAs: é preciso aplicar os CHAs no trabalho e obter, assim, resultados. Não basta eu saber me comunicar bem: preciso comunicar-me bem no dia a dia, no meu trabalho.

Estoque x aplicação nas avaliações de competências

Ainda que este artigo não seja sobre avaliações de competências, essa confusão entre as escolas francesa e americana das competências afeta RHs por aí e, principalmente, colaboradores e líderes passando por avaliações de desempenho, feedbacks 360-graus, etc. Não fica claro se estão avaliando "estoque" ou comportamentos observados.

E quando estamos falando de comportamentos observados, trata-se de um exercício extremamente difícil: nossos vieses cognitivos, por um lado, dificultam uma análise precisa dos comportamentos; de outro, temos, claro, uma visão necessariamente limitada do desempenho dos nossos avaliados, por não estarmos 100% do tempo ao lado deles [1].

Portanto, é extremamente importante entender bem essa diferença e treinar seus avaliadores em relação a ela, para que haja total clareza por parte deles na avaliação, e menos fricção e frustração nesse processo que não é fácil nem com todo o preparo do mundo.[1] A calibração da avaliação de desempenho é um excelente jeito de controlar essas imprecisões dos avaliadores.