Neste artigo falamos da origem e da história das OKRs, ou Objectives and Key-Results, que são a forma como as maiores empresas do Vale do Silício usam metas para gerir seus negócios. Para uma introdução mais ampla ao assunto, baixe nosso livro OKRs: Da Missão às Métricas. OKRs são metas: velhas amigas do mundo dos negócios, renomeadas e adaptadas às necessidades dos profissionais e das empresas de hoje em dia.

Acredita-se que tudo começou com os pais da administração, Taylor e Fayol, que começaram a encarar a prática da gestão empresarial como ciência. Eles foram pioneiros na medição dos tempos e movimentos dos trabalhadores de linhas de produção, correlacionando essas medidas com a produtividade (basicamente a produção por colaborador) e, em seguida, formulando hipóteses sobre como melhorar esses resultados. É assim que descobriram efeitos interessantes como o tempo de descanso ideal para trabalhadores de uma dada fábrica, ou onde um equipamento deve ser alocado em relação ao trabalhador para o alcance ideal, e até mesmo os melhores esquemas de iluminação da linha de produção que minimizassem a quantidade de erros e desperdício de materiais.

Em 1916, Fayol já propunha o uso de metas na gestão, segundo William LaFollette, em seu artigo *The Historial Antecedents of Management by Objectives*, dizendo que “… em 1916, Henri Fayol identificou cinco funções da gestão: planejamento, organização, comando, coordenação e controle. Fayol considerou que a função de planejamento consistia em visualizar o fim desejado (isto é, o objetivo ou meta), o plano de ação a ser seguido e os métodos a serem usados”.

Mace e a definição de metas

Por volta de 1935, um homem chamado Cecil Alec Mace conduziu a primeiros experimentos que provaram que as metas melhoravam o desempenho de trabalhadores.

Mace nasceu em 22 de julho de 1894 em Norwich, Grã-Bretanha. A paixão inicial de Mace era a teologia, e ele realmente foi a Cambridge com o intuito de se ordenar, mas acabou cursando ciências morais na universidade. Enquanto em Cambridge, Mace fez muitas matérias de psicologia (com mentores e tutores como G.E. Moore, C.S. Meyers e G.F. Stout), e mergulhou no campo da psicologia experimental, que definiria sua carreira.

Em 1935, Mace realizou o primeiro estudo experimental de definição de metas e nos anos seguintes descobriu muitos dos princípios básicos que hoje são ensinados no assunto. Suas descobertas estão absolutamente alinhadas com descobertas mais recentes, como as de Garry Latham e Edwin Locke:

  • Em primeiro lugar, o desempenho é dependente da existência de metas.
  • Em segundo lugar, metas podem ser atribuídas a indivíduos e, a menos que sejam muito difíceis de alcançar (irrealistas), serão aceitas como suas pelos referidos indivíduos.
  • Em terceiro lugar, metas podem ser atribuídas para uma variedade de resultados: para qualquer critério de desempenho que possa ser medido, uma meta pode ser definida.
  • Em quarto lugar, uma meta rígida e específica levará a incrementos maiores no desempenho do que uma instrução pouco específica, do tipo “faça o seu melhor”.
  • Em quinto lugar, as metas aumentam o desempenho menos através da intensificação de esforço e mais através do prolongamento do esforço.
  • Por último, em sexto lugar, na ausência de motivação intrínseca por parte do colaborador o desempenho será pior se não houver metas.

Mace também descobriu que, para que as metas fossem eficazes, indivíduos precisavam de feedback constante sobre seu desempenho em comparação com as metas em questão, e eventuais discrepâncias entre desempenho e meta. Ou seja, de nada adiantava uma meta sem que ela fosse acompanhada de perto.

Ainda hoje é muito recorrente a busca pelo entendimento do que motiva indivíduos no trabalho (o assunto de livros extremamente populares como Drive, de Daniel Pink, e Payoff, de Dan Ariely). É muito interessante notar que Mace já estava chegando em conclusões muito semelhantes décadas atrás. De acordo com Mace:

“A doutrina tradicional tem sido simplista. O erro dos sábios do mundo, que gostam de dizer que ‘o único incentivo efetivo é o dinheiro’, não é que eles ignoram outras fontes de motivação como essa: o erro é que eles não conseguem observar a complexidade desse motivo em si. Nós todos amamos dinheiro, mas nós amamos mais pelo que ele nos permite fazer. Para alguns, isso pode significar cerveja e circo, para outros significa maior segurança, ou melhor oportunidade para os filhos, ou maior oportunidade para promover um projeto social. A teoria do dinheiro como motivador não é ruim para começar, mas é apta a abafar o pensamento precisamente no ponto em que ele deve começar”.

Depois de Mace vieram muitos estudos sobre o efeito da definição de metas no desempenho de uma tarefa. O assunto seria mais tarde desenvolvido definitivamente por Locke e Latham, que acabariam escrevendo a bíblia sobre o assunto.

Peter Drucker, George Odiorne e Management by Objectives

Na década de 1950, Peter Drucker, que se acredita ser o maior guru da administração de todos os tempos, articulou, em um de seus livros, que metas poderiam ser uma ótima maneira de medir o desempenho de gestores, uma nova geração de trabalhadores que estava surgindo na economia dos EUA.

Drucker concluiu que os gestores devem definir metas em torno de melhorias de produtividade e outros resultados mensuráveis, verificar o desempenho em relação a essas metas de tempos em tempos e entrar em um processo de melhoria contínua.

Ele o chamou de Management by Objectives and Self-Control, ou “MBO”, um conceito introduzido no livro *The Practice of Management* (ninguém sabe ao certo quem usou o termo “MBO” pela primeira vez, mas é amplamente entendido que foi Drucker. Por outro lado, Drucker afirma ter ouvido pela primeira vez o termo de Alfred Sloan, da General Motors).Na época, uma das empresas mais proeminentes a adotar a metodologia MBO foi a HP. Outros praticantes foram a General Mills, a DuPont e a General Electric.

Drucker via o MBO como uma filosofia de gestão. De acordo com ele, em The Practice of Management, “… o que a empresa precisa é de um princípio de gestão que dará amplitude total à força individual e responsabilidade e, ao mesmo tempo, dará direção de visão e esforço em comum, estabelecerá o trabalho em equipe e harmonizará as metas do indivíduo com o bem-estar comum. O único princípio que pode fazer isso é o MBO”.

Ao contrário do que é amplamente dito por aí, no MBO, as metas não deveriam ser definidas de cima para baixo, nem serviriam para controlar as pessoas de maneira mecanicista. Novamente, de acordo com Drucker, e a ênfase aqui é minha, “\[MBO\] exige que cada gerente desenvolva e defina os objetivos de sua unidade. A administração superior deve, obviamente, reservar o poder de aprovar ou desaprovar esses objetivos. Mas seu desenvolvimento é parte da responsabilidade de um gerente; na verdade, é sua primeira responsabilidade. Significa, também, que todo gerente deveria participar responsavelmente no desenvolvimento dos objetivos da unidade superior da qual faz parte. “Dar a ele um senso de participação” (usar uma frase de estimação do jargão das “relações humanas”) não é suficiente, e “A maior vantagem da gestão por objetivos é, talvez, que torna possível para um gerente controlar seu próprio desempenho. O autocontrole significa motivação mais forte: o desejo de fazer o melhor em vez de apenas o suficiente para “sobreviver”. Isso significa metas de desempenho mais altas e uma visão mais ampla. Mesmo que a gestão por objetivos não fosse necessária para dar à empresa a unidade de direção e esforço de um time de gestão, seria necessário viabilizar a gestão pelo autocontrole.

O trabalho de Drucker não se aprofundou nas especificidades de como aplicar o MBO a uma organização. Esse trabalho foi feito, em parte, por seus alunos, como George Odiorne, que passou a escrever livros sobre o assunto e consultar muitas grandes empresas nos EUA.

Hoshin Kanri, ou *Policy Deployment*

Por volta dos anos 50, no Japão pós-guerra, W. Edwards Demming e os industriais japoneses estavam desenvolvendo maneiras de aumentar a qualidade dos produtos do país, aprimorando seus processos de fabricação. Demming havia sido enviado ao Japão pelo governo americano para ajudar a reconstruir aquela economia, que havia sido devastada pela Segunda Guerra Mundial. Foi daí que nasceram metodologias como o TQC - Total Quality Control - e o Toyota Way.

No Japão, algo derivado do MBO foi desenvolvido, e não se sabe ao certo o grau de influência que a teoria de Drucker, Odiorne, et. al., teve nessa vertente ocidental das metas. A ela deu se o nome de Hoshin Kanri, ou Policy Deployment, na tradução mais comum para o inglês, uma metodologia que fazia parte da gestão pela qualidade total e, por meio de seu processo as metas, ou hoshins, eram desdobradas anualmente por toda a organização. A propósito, como falamos há pouco, acreditamos que a literatura sobre o Hoshin Kanri é fundamental para qualquer empresa que queira se tornar um excelente praticante da OKR.

Desde a introdução dos MBOs e do TQC, praticamente todas as empresas modernas são gerenciadas usando alguma vertente de metas. Algumas empresas definem metas anuais; outras fazem duas vezes ao ano. Outras vinculam as metas ao pagamento de bônus; outras executam algum tipo de avaliação de desempenho com base no alcance das metas. Uma coisa, no entanto, é mais comum a praticamente todas as empresas: uma relação bastante próxima (ainda que mais na teoria do que na prática) entre as metas e a remuneração dos colaboradores.

Andy Grove e Intel: iMBOs

O termo “OKRs” foi cunhado, até onde se sabe, por Andy Grove, o nome ocidental de András István Gróf, um imigrante húngaro. Grove foi CEO da Intel por mais de 10 anos, escreveu livros de negócios de sucesso, como High Output Management e Only the Paranoid Survive, e mais tarde ensinou estratégias para empresas de alta tecnologia em Stanford.

Na Intel, a gestão de metas se chamava “iMBO” ou “Intel Management by Objectives” (referindo-se ao termo MBO, de Drucker). Todos na equipe do escritório participaram, estabelecendo metas SMART anuais e trimestrais. Na Intel, os colaboradores também eram encorajados a acoplar planos de ação às metas, e Grove chamava as ações individuais do plano de “key results”. A metodologia era inclusive ministrada em um curso de integração de novos colaboradores, com o título de Intel’s Organization, Philosophy, and Economics.

É curioso que, ao contrário do que se acredita no Vale do Silício, crença essa multiplicada por quem repete cegamente informações imprecisas sem a devida checagem de fatos, Grove não trouxe nenhum insight transformacional para as metas. Sua única inovação, que já era amplamente praticada no Hoshin Kanri, eram os planos de ação junto das metas, e o nome que deu a eles.

Na opinião de Grove, os key results eram ‘marcos’ que levariam alguém a atingir suas metas: uma meta de “Dominar o negócio de componentes de microcomputadores de médio alcance” (as traduções são sempre minhas) seria seguida, por exemplo, por um key result para “ganhar novos projetos para o 8085”. Grove enfatizou que os key results devem ser mensuráveis, e todos os seus exemplos se assemelham a esforços ou resultados, como parte de um plano de ação, e não se parecem com resultados reais.

Outra suposta contribuição de Grove para a OKRs foi sua crença de que as metas, chamadas de objetivos, e as ações, chamadas de key results, devem ser definidas em um processo bidirecional: de cima para baixo, mas também de baixo para cima, partindo do próprio colaborador, de modo a trazer comprometimento e engajamento para o processo. A prática estava longe de ser um conceito novo, como vimos há pouco, mas estava parcialmente perdida em grandes empresas americanas, o que impulsionou as metas serem “impostas”, ou “cascateadas”, por toda a organização, do Conselho ao CEO, do CEO aos vice-presidentes e assim por diante. Grove incentivou os funcionários da Intel a definir seus objetivos de acordo com os objetivos da empresa e depois calibrá-los com seus gerentes (exatamente, vale dizer, o que sugere o livro de Vicente Falconi, Gestão Pelas Diretrizes).

Por último, mas não menos importante, Grove insistiu que as OKRs fossem ambiciosas, o que significava serem difíceis de alcançar, e o que chamava de stretch goals.

John Doerr e as OKRs no Google

No final dos anos 90, as OKR se espalharam para outras empresas do Vale do Silício pelas mãos de John Doerr, sócio da Kleiner Perkins (agora KPCB), uma das firmas de venture capital mais respeitadas do mundo. Doerr trabalhou na Intel, sob a liderança indireta (e distante) de Grove, e usou iMBOs como todo colaborador da Intel usava. Mais tarde, ele difundiu a metodologia para algumas de suas empresas de portfólio na Kleiner Perkins, das quais a mais importante foi uma startup fundada por dois estudantes de doutorado de Stanford, que criaram um excelente mecanismo de busca na web. Essa empresa era o Google.

No Google, as OKRs assumiram diversas formas e conquistaram fama mundial. Larry Page, cofundador do Google, afirma que “OKRs … ajudaram a levar o \[Google\] ao crescimento de 10x, repetidas vezes. Elas ajudaram a tornar a missão louca do Google de ‘organizar as informações do mundo’, talvez até viável … e mantiveram eu e o resto da empresa no timing certo e no caminho certo quando mais importava.”

O Google opera sob um estilo de OKRs bastante pouco padronizado. Além dos vendedores, que têm metas que são definidas de forma mais tradicional e de acordo com o orçamento da empresa, a maioria das outras equipes, como produto e engenharia, está livre para usar OKRs como quiserem. Isso leva, naturalmente, a diferentes graus de homogeneidade e eficácia na prática. Em comum com todos esses ‘sabores’, lá as OKRs são tratadas mais como uma ferramenta de gestão de desempenho de RH do que como uma filosofia de gestão. Elas são classificadas no final de cada ciclo de gestão de desempenho em uma escala de cinco pontos (0.0, 0.3, 0.5, 0.7 e 1.0).

A opinião de Laszlo Bock, ex-VP de gente da empresa, sobre como as OKRs devem ser planejadas no Google dá uma boa ideia de por que os usuários do Google usam OKRs de forma tão frouxa:

“Ter objetivos melhora o desempenho da empresa. Gastar horas e horas cascateando metas precisamente por toda a organização não. Demora muito tempo e é muito difícil garantir que todos os objetivos se alinhem perfeitamente. No Google, temos uma abordagem baseada no livre-mercado, onde, com o tempo, nossos objetivos convergem, porque as principais OKRs da empresa são conhecidas por todos e as OKRs de todos são visíveis aos outros times e indivíduos. Equipes que estão totalmente fora de alinhamento se destacam negativamente, e as poucas iniciativas importantes que tocam a todos são fáceis de gerenciar diretamente.”

As OKRs foram amplamente adotadas no Vale do Silício, um fenômeno que pode ser atribuído à fama e ao sucesso do Google como empresa. Mas há muito pouco consenso sobre como as OKRs devem realmente ser implementadas, ou até mesmo qual a morfologia correta de uma OKR. Essa é a parte da história das OKRs que gostaríamos de corrigir.

Sem tempo de ler o texto? Assista o vídeo acima sobre a história das OKRs!O vídeo faz parte do nosso Curso de Introdução à OKRs, que você pode fazer aqui.

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