Desde os anos oitenta verificamos que as trajetórias de carreiras nas organizações e no mercado não se organizam por profissão ou por função, mas sim pela natureza das atribuições e responsabilidades. Desse modo, pessoas que exercem atividades de mesma natureza estão na mesma trajetória. A natureza das atribuições e responsabilidades é definida por um conjunto de fatores onde os dois principais são: público para o qual se destina o trabalho e a natureza do conhecimento técnico.

Como, por exemplo: se um engenheiro de produção entra na empresa como engenheiro de operações, depois tem sua função alterada para engenheiro de manutenção e depois para engenheiro de processos, está na mesma trajetória de carreira, embora tenha atuado em três funções diferentes, porque todas as três funções são atribuições e responsabilidades de mesma natureza.

A partir do início dos anos 2000, assistimos, no Brasil, a um crescimento expressivo do que chamamos de transição de carreira. A transição de carreira ocorre quando a pessoa efetua um movimento em sua carreira que implica em assumir uma nova identidade profissional.

A transição na carreira é diferente da mudança de função ou de assumir um novo desafio profissional; como analogia, poderíamos dizer que mudar de função é como mudar de roupa e a transição de carreira é como arrancar a pele e viver em carne viva até uma nova pele recobrir nossas feridas. Ao mesmo tempo em que a transição de carreira é um processo dolorido, é algo que nos oferece uma grande realização pessoal e profissional, por isso o sentimento em relação à transição de carreira é ambíguo.

As transições de carreira estão associadas a mudança de trajetória profissional, ou seja, estamos efetuando uma transição quando mudamos a natureza das nossas atribuições e responsabilidades. Ao fazê-lo estamos mudando a nossa identidade profissional, quer dizer, estamos mudando a forma como nos enxergamos profissionalmente.

A incidência das transições de carreira na vida das pessoas foi insidiosamente aumentando a partir dos anos 2000 e tem surpreendido a maior parte das pessoas que a vivenciam. Por ser um processo que toca as pessoas profundamente e gera sentimentos ambíguos, não é comentado abertamente, o compartilhamento das emoções ocorre de forma reservada e algumas pessoas não compreendem toda a extensão do viveram ou vivem.

Estudar esse fenômeno é fundamental para ajudar as pessoas e as organizações a transpor com serenidade e dignidade as dificuldades do processo e tirar partido dele para o seu crescimento pessoal e profissional.

Por ser um processo muito doloroso não é algo comum na biografia das pessoas. Observamos que as pessoas tendem a permanecer na mesma trajetória de carreira, mesmo mudando de função, de empresa ou de país. Embora raras, temos observado, a partir dos anos 2000, um crescimento importante das mudanças de trajetórias. Essas mudanças estão ocorrendo em dois momentos: um no que estamos chamando de crise da meia carreira e outro no processo de aposentadoria.

A crise da meia carreira está acontecendo no Brasil para as pessoas com idade em torno de 40 anos, os que optaram por uma trajetória técnica estão chegando ao final de sua trajetória após 15 a 18 anos de sua formatura e são defrontados com a necessidade de transição de carreira ou permanência onde estão até sua aposentadoria; os que optaram por uma trajetória gerencial estão chegando ao nível tático entre 30 a 40 anos, alguns antes outros depois, mas a maior parte nessa faixa de idade, e estão chegando ao nível estratégico entre 35 e 45 anos, alguns antes, mas raramente depois dos 45 anos de idade. Portanto, as pessoas, aos 40 anos, começam a ficar preocupadas com sua progressão e são defrontadas com a necessidade de refletir sobre suas carreiras.

A aposentaria ocorre de forma particular no Brasil por causa de nossa realidade demográfica. Tivemos uma explosão de nascimentos nas décadas de 70 e 80 e essa geração pressiona para fora do mercado as gerações anteriores. Há uma aposentadoria pelo mercado precoce, as pessoas estão sendo aposentadas com muita vitalidade e provavelmente permanecerão no mercado de trabalho, necessitando, porém, efetuar uma transição de carreira.

De qualquer modo a transição de carreira na organização ou no mercado são incidentes críticos na biografia profissional das pessoas. Há uma grande probabilidade da pessoa ao se desenvolver na organização assumir atribuições e responsabilidades mais complexas de mesma natureza, ou seja, na mesma carreira.

Alguns teóricos ao tentarem quantificar a intensidade da tensão em um processo de transição de carreira associaram a uma separação conjugal. Por isso é importante analisar esse processo. Para estudá-lo vamos trabalhar os seguintes aspectos:

  • As etapas típicas de um processo de transição de carreira;
  • Os problemas da transição da carreira técnica ou funcional para a gerencial;
  • Processos de transferência da posição gerencial para a técnica ou funcional;
  • Alternativas para gerenciar o processo de transição de carreira.

As etapas típicas de um processo para transição de carreira

A transição na carreira implica em uma mudança de identidade profissional e isso gera um grande estresse, por isso vem sendo estudada. Podemos identificar quatro etapas típicas na transição de carreira. Essas etapas podem estar sobrepostas quando uma pessoa faz uma mudança abrupta na organização ou no mercado.

Etapa racional

A primeira etapa é chamada de racional, porque é o resultado de algo que a pessoa procura. Nessa etapa a pessoa tem clareza que enfrentará um grande desafio de adaptação, mas os resultados compensam.

Mesmo quando a situação é imposta a pessoa se empenhará em se adaptar se perceber um ganho nesse processo. Normalmente a permanência na posição atual representa limitações ou possibilidades muito reduzidas de crescimento ou desenvolvimento profissional.

A pessoa procura uma mudança de carreira quando percebe que não há perspectivas de crescimento. Quando a pessoa percebe que não tem mais espaço para ampliar a complexidade de suas atribuições e responsabilidades.

Embora a pessoa efetue uma análise de custo-benefício da transição de carreira, vive uma situação de ambiguidade, que é abandonar uma situação confortável para enfrentar o desconhecido.

Etapa emocional

A segunda etapa ocorre quando a pessoa percebe a necessidade de renunciar à sua identidade para poder assumir uma nova. Nesse momento há um sentimento profundo de perda. Como, por exemplo, um médico que clinicou durante quinze anos e de repente percebe a necessidade de efetuar uma opção de carreira, porque gasta 80% do seu tempo administrando sua clínica e 20% exercendo medicina. 

Normalmente as pessoas não se dão conta de que essa etapa faz parte do processo. As pessoas querem ficar com um pé em cada carreira. Assistimos muito gerentes que não querem abandonar sua identidade técnica e ficam em situação ambígua, de um lado não abraçam totalmente a carreira gerencial e de outro não largam totalmente a carreira técnica.

Essa situação de ambiguidade gera grande desgaste emocional e impede que a pessoa deslanche em sua nova carreira.

Etapa do limbo

Há um momento que a pessoa renunciou à sua antiga identidade, mas não consolidou ainda a nova. É um momento que a pessoa fica sem chão e sente um profundo desconforto. Chamamos esta etapa de limbo porque a pessoa se encontra sem identidade. 

Um tempo prolongado nesta etapa gera depressão. Isso explica por que pessoas que se aposentam vivem processos depressivos, na maior parte dos casos é porque perderam a sua identidade e não desenvolveram uma nova. 

Etapa da consolidação da nova carreira

Na medida em que a pessoa incorpora a nova carreira se depara com outro desafio. Muitos dos comportamentos que eram naturais na carreira anterior não são na nova carreira. A pessoa tem a necessidade de se reinventar.

Nesta etapa é comum a pessoa se sentir incompetente, porque vê seus pares atuando com naturalidade enquanto para ela é tudo muito difícil. Nesta etapa a pessoa baixa sua autoestima.

Algumas empresas introduziram nesta etapa processos de mentoring, onde os mentores são gestores seniores. 

Transição da carreira técnica ou funcional para a gerência

Para a maioria das pessoas a ascensão para a posição gerencial é um degrau a mais na carreira. Mas ao ascender para essa posição a pessoas está vivendo uma transição de carreira. Por quê? Porque o gerente tem que gerir recursos escassos, tais como: orçamento, investimentos, espaço físico aumentos salariais etc. O que caracteriza o gerente é o fato de atuar na arena política da organização. Portanto, o fato de a pessoa liderar pessoas não significa que seja gerente. Podemos ter pessoas que lideram pessoas, mas não são gerentes porque não estão na arena política. Podemos ter pessoas que não têm nenhum liderado e são gerentes porque estão na arena política.

Mas o que é a arena política? A arena se caracteriza pela gestão de recursos escassos, implica em discutir prioridades para o uso desses recursos, sempre cada gestor tentará convencer seus pares de que suas necessidades são prioritárias, como, por exemplo, na distribuição de espaços físicos ou na alocação dos investimentos da organização.

É muito comum que um bom engenheiro ou um bom vendedor quando assume uma posição gerencial viva um grande baque, deparam-se com a arena política, algo que, até então, desconheciam. A maior parte das pessoas que entrevistamos tiveram dificuldades para compreender a arena política e conseguir transitar por ela. 

É comum, também, as pessoas encararem a arena política como algo ruim, um ambiente de politicagem em detrimento dos interesses da organização e das pessoas. Isso não é verdade, na maior parte das organizações essa arena é um espaço de debate e troca de ideias que suportam o desenvolvimento das organizações e das pessoas.

Portanto, é importante a preparação da pessoa para transitar da carreira técnica ou funcional. Esse preparo para a carreira gerencial reduz o impacto sofrido pela pessoa no processo.

A preparação mais importante é apresentar a arena política para a pessoa, através de projetos técnicos que tenham componentes políticos ou através da delegação da gestão de determinados processos.

O problema mais grave na transição é a pessoa perceber as dificuldades da arena política e, de forma não consciente, não assumir a identidade gerencial. Neste caso a pessoa fica com o título de gerente, mas continua pensando e agindo como um profissional técnico, funcional ou de vendas.

Os processos de consolidação na carreira gerencial demoram em média dois anos. Analisamos mais de seis mil biografias de pessoas em posição de gerência tática e verificamos que esse é o tempo médio. Os seis primeiros meses, entretanto, são os mais críticos. Processos de orientação através de gestores mais experientes (mentoring) podem abreviar esse período. Os resultados obtidos com essas experiências foram de redução do período de carência, os gestores geraram os resultados esperados em um tempo menor, e aumento do nível de gestores adequados na posição.

Retorno para a carreira técnica ou funcional

Ao longo dos últimos vinte anos, acompanhamos alguns casos de gestores que retornaram para a carreira técnica, principalmente em empresas de tecnologia.

Esse processo é uma nova transição de carreira com todos os ônus e bônus. Na maior parte dos casos foram profissionais que não conseguiram se desenvolver como gestores e o retorno para a carreira técnica se deveu ao fato de serem profissionais técnicos importantes para a organização. Essa situação não é normal, é comum os gestores que não se desenvolvem serem demitidos nas empresas privadas ou retornarem à condição de técnicos nas empresas públicas.

Nos casos estudados, verificamos que além da dor de uma transição de carreira, havia uma dor adicional que era o sentimento de fracasso, o sentimento de não ter conseguido atender as expectativas da organização. Na percepção da pessoa e de seus colegas é que houve uma demoção. Por essa razão movimentos desse tipo devem ser efetuados com muito cuidado e um acompanhamento muito próximo. Nesses casos recomenda-se o suporte de profissionais especializados.

Mesmo quando a pessoa escolhe esse tipo de mudança o processo é de muito desgaste emocional. Para ilustrar temos o caso de um alto executivo de uma empresa de tecnologia. Essa pessoa estava a três anos de sua aposentadoria e queria retornar para a carreira técnica porque tinha a perspectiva de atuar, em sua pós-carreira, como consultor técnico.

Acreditava que iria se adaptar com facilidade porque gostava da atividade técnica e encarava a atividade gerencial como burocrática. Teve grande dificuldade de se adaptar porque a atividade gerencial é muito glamorosa. Nos primeiros meses sentiu falta de estar no centro de tomada de decisões, de estar sempre bem-informado sobre os destinos da organização. Inicialmente sentiu-se isolado pelos amigos, colocado no ostracismo, embora fosse isso que quisesse.

Esse caso ilustra o processo que vivido nas transições de carreira, muitas vezes a situação está resolvida em nossa cabeça, mas não está resolvida no nosso emocional.

Gestão da transição da carreira

Para a maioria das pessoas e das organizações o tema transição de carreira é desconhecido. Para a maioria das pessoas assumir uma posição gerencial é uma continuidade natural da carreira. Entretanto, ao conhecermos melhor as fases e consequências de um processo de transição de carreira, podemos nos antecipar e eliminar ou minimizar seus efeitos perversos para as pessoas e para a organização.

As pessoas nunca estarão totalmente preparadas para um movimento em suas carreiras que impliquem em uma mudança de identidade. O aprendizado ocorre ao longo do processo. Com a consciência do processo é possível para as pessoas manejarem melhor suas incertezas e ansiedades e para organização criar o suporte necessário.

Ao analisarmos as diferentes fases do processo de transição de carreira verificamos algumas experiências bem-sucedidas na mitigação dos efeitos negativos do processo. Para apresentarmos essas experiências vamos analisar as seguintes situações:

Transferência para uma outra trajetória dentro da empresa

Podemos caracterizar uma mudança de trajetória quando a pessoa vai enfrentar atribuições e responsabilidades de natureza muito diferente das que tinha. Por exemplo: o profissional é um engenheiro que atua na atividade fim da organização, tais como: área industrial, desenvolvimento de tecnologia etc. e é transferido para uma atividade meio, tais como: tecnologia de informação, finanças, administração etc. Outro exemplo: o profissional atua na área financeira da empresa e passa a atuar na área comercial ou marketing.

Essas mudanças de trajetória implicam em uma mudança de identidade profissional, tanto para a pessoa quanto para o mercado. A pessoa terá que aprender novos conhecimentos e desenvolver novas habilidades, bem como, adequar seu comportamento à nova realidade.

Uma primeira questão é o quanto a pessoa tem consciência de que está vivendo uma transição de carreira. Na maior parte das vezes a pessoa atende um apelo da organização sem se dar conta do que está vivendo ou irá viver. A consciência da transição faz com que a pessoa se prepare e busque ajuda se necessário.

Quando a pessoa não tem consciência, corre o risco de encarar a si mesma como incompetente para a nova posição e entrar em um processo de baixa autoestima ou mesmo de depressão.

Nesses casos, a pessoa deve perceber que irá enfrentar situações completamente novas e necessita negociar consigo mesma e com a organização as expectativas de adaptação e de resultados. Deve assumir uma postura humilde e, sempre que necessário, buscar ajuda e apoio.

Suporte temporário em outra trajetória de carreira

Existem situações quando a pessoa é pensada para auxiliar uma área ou atividade que está em dificuldades. Esse suporte, entretanto, não é definitivo, depois de algum tempo a pessoa volta para as suas atividades originais.

Para ilustrar temos o caso de um diretor industrial em uma grande montadora de veículos. Inicialmente era gerente de operações, depois assumiu a posição de gerente de manutenção e efetuou uma grande revolução nos processos de manutenção graças aos conhecimentos que tinha das operações. Por causa do seu sucesso, a organização o convidou para gerenciar a área de RH, a qual tinha pouca credibilidade na organização e dificuldades para se articular politicamente.

Seu papel era transferir seu conhecimento do negócio para a área e abrir-lhe as portas na organização. Foi muito bem-sucedido, mas em nenhum momento fez uma transição de carreira, suas referências, amigos, literatura predileta eram relacionados à atividade fim da organização. Depois de dois anos na posição de gerente de RH retornou à produção como gerente de processos e posteriormente assumiu a posição diretor industrial.

Esse relato é um exemplo de que é possível haver mudanças de carreira que não implicam em mudança de trajetória ou de identidade profissional, mas isso necessita estar explicitado na negociação com a pessoa. A falta de consciência desse processo ou falta de negociação pode gerar sérios problemas de adaptação das pessoas e um impacto negativo nos resultados organizacionais.

Os movimentos de atividades meio para atividades fim são mais raros nas organizações, porque em sua maioria essa mudança implica em conhecimentos técnicos, normalmente não são dominados por alguém que atua em atividades meio. Quando esse tipo de movimento é possível, as pessoas os encaram como oportunidades de ascensão mais rápida e de maior visibilidade.

Transferência para uma outra trajetória fora da empresa

Tivemos a oportunidade de acompanhar casos interessantes onde a pessoa foi para fora da organização e teve a oportunidade de desenvolver atribuições e responsabilidades de natureza diferente. Para exemplificar: 

  • Auditores fiscais seniores de secretarias da fazenda estaduais que foram indicados para assumir posições de suporte técnico ou de gestão em outras secretarias do estado, por terem uma visão sistêmica do governo e por terem sensibilidade financeira.
  • Gestores de uma mineradora que foram atuar em uma das empresas controladoras com o objetivo de desenvolver uma visão internacional do negócio. Esses gestores atuavam em áreas fim, tais como: operações, manutenção e logística, e foram atuar em áreas meio na controladora.
  • Especialistas em setores econômicos em um grande banco de desenvolvimento ligado ao governo federal que assumiram posições gerenciais em secretarias estaduais ligadas ao setor de sua especialidade.

Nesses casos, as pessoas tiveram uma dupla dificuldade: a de vivenciar uma trajetória profissional diferente em uma cultura organizacional desconhecida. A maior parte dessas pessoas sentiu grande dificuldade para compreender o novo contexto de trabalho e desenvolver a adaptação necessária.

Em alguns casos as pessoas relataram que se sentiam constrangidas de pedir ajuda porque haviam chegado às suas posições num processo de cima para baixo, ou seja, havia uma certa imposição da alta administração para assumissem suas novas posições.

Nessas situações a pessoa necessita usar o bom senso e ter muito tato e delicadeza na relação com suas equipes e pares. Perceber pessoas de confiança a quem podem pedir ajuda quando necessário.

CONCLUSÕES

A transição de carreira é um processo delicado dentro de nossas organizações. A falta de consciência sobre esse processo gera muito sofrimento para as pessoas. Por essa razão é importante falarmos sobre eles e discutirmos estratégias para mitigar os efeitos negativos e para potencializar a satisfação que temos de nos descobrir em um novo horizonte profissional.