A reflexão sistemática sobre nossos propósitos, carreira e desenvolvimento é importante para o nosso aprendizado sobre nós mesmos e para mantermos a coerência e consistência de nossas ações e decisões. A reflexão sistemática pode significar coisas diferentes para diferentes pessoas, existem pessoas que se sentem bem em um período a cada semestre ou ano dedicar um tempo para efetuar um balanço sobre sua vida de forma profunda e estruturada e existem pessoas que são incapazes de fazê-lo desse modo, mas sentem-se bem quando conversam com alguém sobre o tema.

A forma como efetuamos essa reflexão não importa, temos que encontrar o modo mais confortável para nós. Ao longo da minha vida desenvolvi alguns interlocutores de carreira, com os quais converso pelo menos uma vez por ano para fazer um balanço de minhas ações e decisões sobre propósitos, carreira e desenvolvimento. Somente o fato de conversar com alguém ajuda a refletirmos.

Em várias ocasiões essas conversas me permitiram ver que estava evitando desafios os quais seriam importantes para o meu desenvolvimento, embora me trariam um certo desconforto, ou que estava me apegando a trabalhos que não faziam mais sentido para minha carreira.

De uma forma geral temos tendência a uma inércia em nossa carreira e nos acomodamos a situações negativas para nossos propósitos, carreira e/ou desenvolvimento. A reflexão sistemática pode nos ajudar a perceber esse processo. Embora não seja uma garantia para prevenir armadilhas ou caminhos equivocados, mitiga sua possibilidade. Por essa razão, devemos criar uma rotina que nos alerta para a necessidade de fazê-lo. É importante reforçar que esse processo deve ser prazeroso e lúdico e não um castigo, caso contrário será difícil incorporá-lo em nossa rotina.

Além da reflexão sistemática, devemos estar atentos a situações ou fatos que podem alterar o que havíamos previsto ou pensado para nossas carreiras e desenvolvimento. Quando estamos atentos, conversando com pessoas sobre nossos propósitos e intenções, as oportunidades aparecem ou são criadas por nós ou pelas pessoas que nos querem bem. Da mesma forma percebemos que algumas das premissas que havíamos tomado como base para nossa reflexão eram incorretas ou incompletas, fazendo-nos compreender melhor a dinâmica da realidade em que nos inserimos.

Como podemos criar rotinas de monitoramento ou desenvolver interlocutores de carreira? Das biografias que analisamos, das conversas com consultores de carreira e das experiências que minha equipe e eu vivemos procuramos extrair experiências bem e malsucedidas no acompanhamento da carreira, as quais vamos relatar a seguir.

Formas de monitorar o nosso desenvolvimento e a nossa carreira

As pessoas adotam diferentes formas para efetuar o monitoramento do seu desenvolvimento e de sua carreira. Essas formas são as que melhor se adaptam ao jeito de ser e propósitos das pessoas. Por essa razão vamos descrever as mais comuns que encontramos e cabe a você escolher uma ou desenvolver a sua forma de efetuar esse monitoramento. O ideal é que a forma que você escolher seja como um jogo, deve ser lúdica e prazerosa.

Existem pessoas que preferem uma reflexão consigo mesma. Nesse caso, observamos a adoção das seguintes práticas:

Revisão de propósitos

Inicialmente, efetue uma releitura dos propósitos de carreira ou reflita sobre eles, se não estiverem escritos. Verifique se continuam válidos no contexto em que você vive ou viverá no próximo ano. Aqui você pode manter ou revisar seus propósitos.

Analise suas realizações e ações de desenvolvimento do último ano e verifique se estavam alinhadas com os seus propósitos. Caso você perceba algum desalinhamento é interessante verificar se é o caso de efetuar mais revisões nos propósitos ou tentar responder o que gerou o desalinhamento.

Explicando melhor, quando há um desalinhamento entre nossas ações e propósitos pode ser um indício da necessidade de revisão dos propósitos, porque nossas ações são o resultado de uma leitura do contexto utilizando o nosso lado racional e o nosso lado emocional. Muitas vezes as nossas emoções captam uma leitura do contexto que o nosso racional não consegue captar. Nesses momentos de reflexão é importante efetuar a análise dessas situações.

A partir dos propósitos revisados e de suas experiências de desenvolvimento recentes avaliar as ações futuras de desenvolvimento e de oportunidades para lidar com situações de maior complexidade.

Avaliação das ações de desenvolvimento

Reflita sobre as principais ocorrências de desenvolvimento ou desafios enfrentados no último ano, procurando responder as seguintes questões:

  • As ações foram iniciativas minhas ou de outras pessoas?
  • Quais foram os resultados para mim, para as outras pessoas e para o contexto?
  • As ações me propiciaram lidar com maiores níveis de complexidade?
  • Quais foram os grandes aprendizados dessas ações?

Ao responder as questões reflita se os resultados ficaram dentro das expectativas que você tinha no início do último ano. Se superaram foi devido a fatores favoráveis do contexto que talvez não se repitam no próximo ou foi devido a sua atuação? Se ficaram abaixo das suas expectativas quais foram as razões?

A partir desse balanço efetue uma revisão dos seus propósitos e tente construir expectativas para o próximo ano.

Análise do contexto

Analise os diferentes contextos em que você se insere, olhando primeiramente quais foram as características desses contextos no último ano. Para tanto, podem ser realizadas as seguintes questões:

  • Todas as ocorrências estavam dentro das minhas expectativas e por quê?
  • Quais foram as influências no contexto geradas pelas suas ações?
  • Quais foram as ocorrências que criaram impactos positivos e/ou negativos em suas expectativas?

Ao realizar esse balanço, avalie se as constatações estão dentro de suas expectativas para o período analisado. Se superaram foi devido a fatores favoráveis do contexto que talvez não se repitam no próximo período ou foi devido a sua atuação? Se ficaram abaixo das suas expectativas quais foram as razões? Nesse caso verifique se essas razões persistem para o próximo período.

Olhando para o próximo ano, como você analisa o contexto e quais oportunidades ele oferece para o seu desenvolvimento? A partir dessa análise faça uma revisão dos seus propósitos de carreira e construa as suas expectativas para o próximo ano.

Existem, outras pessoas, que se sentem melhor conversando com outras pessoas para estimular a sua compreensão e avaliação do seu desenvolvimento. Essas pessoas desenvolveram práticas como as relatadas a seguir:

Conversa com amigos

Procure uma ou mais pessoas de sua confiança para conversar sobre o seu desenvolvimento. Essas pessoas devem ter uma proximidade suficiente para poder te ajudar nessa análise. É muito importante você esclarecer para essas pessoas o seu propósito, caso contrário as pessoas podem ficar desconfortáveis de falar o que realmente perceberam para não magoar você.

Para essa conversa é necessário que você faça perguntas objetivas, tais como:

  • Neste último ano você observou algum tipo de evolução em minhas ações e/ou comportamento que geraram bons resultados para a organização e/ou para as pessoas?
  • Em quais aspectos das minhas habilidades e comportamento devo investir para melhorar minha atuação?
  • Em que aspectos posso aprimorar o meu relacionamento interpessoal?

Ao mesmo tempo, você deve ouvir o que as pessoas têm a dizer, sem julgar as pessoas e o que dizem.

Com base nas respostas das pessoas avalie o seu desenvolvimento até aqui e as principais ações para o futuro. É um momento propício para rever seus propósitos e o quanto a opinião das pessoas sobre sua atuação reflete os seus propósitos.

Conversa com pessoas mais experientes

Essa prática é mais importante para pessoas que estão iniciando a sua carreira e muitas vezes não têm um grande repertório sobre si mesmas e seus amigos são pessoas em situação semelhante. Entretanto, pode ser útil, também, para pessoas mais maduras profissionalmente.

Procure pessoas com mais vivência profissional que você e que atuem em níveis de complexidade maior. Essas pessoas devem ter condições de avaliar sua atuação, ou seja, devem ter algum conhecimento sobre você, ainda que atuem distantes.

Antes e se reunir com essas pessoas é importante efetuar uma reflexão sobre o seu desenvolvimento e propósitos para poder efetuar perguntas objetivas. Como sugestão as reflexões e perguntas podem ser do seguinte tipo:

  • Reflexão: possibilidades de desenvolvimento dentro da organização. Pergunta: levando em conta minha formação e trajetória na organização quais são as minhas possibilidades de desenvolvimento na organização?
  • Reflexão: desafios enfrentados e resultados apresentados nos últimos anos. Pergunta: como posso contribuir mais para o desenvolvimento dos negócios e/ou da organização?
  • Reflexão: habilidades naturais e desenvolvidas durante a atuação profissional. Pergunta: o que devo desenvolver em minhas habilidades e comportamento para ter uma atuação mais efetiva? 

Com base nas respostas das pessoas avalie o seu desenvolvimento até aqui e as principais ações para o futuro. É um momento propício para rever seus propósitos e o quanto a opinião das pessoas sobre sua atuação e comportamento reflete os seus propósitos.

As ações de reflexão e conversa com as pessoas é um espaço importante para ganharmos distância crítica sobre a nossa realidade, temos uma tendência para manter a situação como está e perdermos nossa capacidade de analisar o que está ocorrendo conosco.

Ao refletirmos sobre os nossos propósitos, ações executadas e expectativas em relação ao futuro desenvolvemos essa visão crítica sobre nós mesmos e sobre nossas ações. Por essa razão é importante criarmos um ritual, onde periodicamente realizamos essa reflexão. Observamos que quando essa prática vira um ritual as reflexões são efetuadas de uma forma natural e as pessoas as realizam sempre que surge algo inesperado em suas vidas.

Entenda sobre os interlocutores de carreira

A conversa com as pessoas sobre o nosso desenvolvimento é uma conversa diferente de quando conversamos sobre nossa carreira. A conversa sobre a nossa carreira é mais profunda e a escolha de pessoas para o diálogo é mais exigente. Por essa razão vamos trazer mais elementos para essa discussão.

Qual é a principal diferença entre uma conversa sobre o nosso desenvolvimento e a nossa carreira? Ao conversarmos sobre o nosso desenvolvimento estamos construindo com outras pessoas nossas oportunidades e desafios de desenvolvimento, na maior parte das vezes o nosso desenvolvimento está atrelado ao relacionamento com outras pessoas. Quando discutimos a nossa carreira estamos falando do nosso futuro, o que desejamos e o que não queremos.

Não é incomum que essas reflexões incomodem a organização, nossas chefias e nossos colegas. Porque nem sempre o que desejamos está alinhado com as expectativas da organização ou de nossas chefias em relação a nós.

Por essa razão devemos primeiramente efetuar uma reflexão honesta conosco mesmo para depois negociar nossa visão de futuro com a organização e com nossas chefias. Caso realizemos primeiramente a conversa com a organização ou com nossa chefia corremos o risco de nossa visão de futuro atender a agenda deles, organização e/ou chefia, e não a nossa.

A reflexão sobre nossa carreira realizada de forma solitária cria muitas limitações, muitas vezes ficamos correndo atrás do próprio rabo sem percebermos. Por essa razão, termos interlocutores para conversar sobre a nossa carreira é importante.

Quem é esse interlocutor? Deve ser uma pessoa que confiamos e que vivencia situações parecidas com a nossa. Desse modo, criamos uma identidade e é frequente que nos tornemos, também, um interlocutor de carreira para a outra pessoa. Não é recomendável que o nosso interlocutor trabalhe na mesma organização, porque nosso amigo de hoje pode ser uma pessoa competindo conosco por uma posição ou tornar-se nosso subordinado ou chefe. 

Também não é recomendável que o nosso interlocutor seja muito próximo de nós afetivamente, porque normalmente não tem distância crítica para nos ajudar. Imaginem uma pessoa discutindo sua carreira com sua mãe, dificilmente irá funcionar bem.

É importante a regularidade das conversas com o interlocutor, o recomendável é pelo menos uma vez por ano. Onde podemos efetuar um balanço do que queríamos e conquistamos e o que visualizamos como possibilidades dentro e fora das organizações com oportunidades e desafios.

São conversas difíceis para realizarmos dentro da organização e/ou com pessoas da organização. Já presenciei situações em que, na tomada de decisão sobre considerar pessoas para o processo sucessório, foram usados como argumento manifestações delas em um passado já distante ou em contextos específicos. A organização e as liderança necessitam ser maduras para trabalhar a carreira de forma isenta e sem a criação de rótulos ou estigmas.

Os interlocutores são especialmente valiosos em momentos de crise, ou porque chegamos ao final de um ciclo, ou porque nosso contrato psicológico com a organização foi rompido ou porque não temos afinidade com novas lideranças etc. Nesse momento, mostrar nossa fragilidade para a organização pode ser mal compreendida e se conversarmos sobre a nossa crise com outras pessoas na organização podemos assumir um alto risco. Necessitamos muita tranquilidade para discutirmos nossa insatisfação ou desconforto com a organização, daí a importância de termos com quem dialogar sobre o que estamos vivendo.

Temos como possibilidade a contratação de profissionais especializados, mas são pessoas que não nos darão uma resposta imediata. Ao passo que, ao conversarmos com uma pessoa que acompanha a nossa carreira e as nossas reflexões ao longo do tempo nos teremos respostas mais imediatas.

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