É muito frequente ouvirmos nossos clientes e prospects reclamarem do nível de maturidade de seus gestores. “Nossos líderes são líderes de primeira viagem”, “a capacidade de gestão de pessoas dos nossos gerentes é muito irregular” e “precisamos treinar nossos gestores” são algumas queixas e resoluções de ano novo mais comuns.

Hoje, a grande maioria das áreas de RH deixa o tema de “como ser um gestor” à sorte da capacidade “nata” de cada um dos seus líderes. Aqueles que têm a proatividade de estudar o tema, a sorte de terem trabalhado com bons exemplos ou algum jeito para a coisa acabam sendo menos piores, enquanto a maioria sofre muito com o assunto (causando, por consequência, muito sofrimento em seus liderados).

Acreditamos que formar líderes é responsabilidade do RH e que formação de líderes se constrói com processos de gestão de pessoas que devem ser criados [1], ensinados e cobrados pela área de RH. Por isso nossa tese: achamos que mais RHs deveriam não só tocar processos e sistemas de gente como também absorver temas de gestão. Esse artigo fala sobre isso.

Ben Horowitz, fundador da Netscape e hoje membro do conselho de empresas como Facebook, resume bem essa posição quando chama a área de RH de uma área de “controle de qualidade da gestão”: “uma área de RH de alta qualidade não tem capacidade de criar uma empresa bem administrada com uma cultura incrível, mas sem dúvida pode te dizer se seus gestores não estão fazendo o seu trabalho direito”.

A origem do termo “gente e gestão"

Segundo nossas pesquisas, a primeira empresa que teve um departamento intitulado “gente e gestão” foi a Ambev. Na década de 90, sob a influência de Vicente Falconi, a empresa começou a adotar práticas de gestão de qualidade total (Total Quality Management) que envolviam o redesenho e a constante melhoria de processos internos de produção [2]. Esse esforço ficou inicialmente sob responsabilidade de uma gerência de qualidade, que foi posteriormente incorporada pela área de Gente da empresa.

Com o tempo, os conceitos de TQM inseridos por Falconi (junto a outras influências do consultor, como o Six Sigma, o Hoshin Kanri e o Toyota Way, entre outros) foram adotados por todas as áreas da empresa, de modo que hoje é normal ver conceitos de gestão da produção sendo usados por profissionais de todas as áreas, inclusive gente e gestão, como poka yoke, PDCA, SDCA, 5S, ver e agir, etc. 

O que isso quer dizer na prática?

Na prática, a área de gente e gestão começa por entregar todo o ferramental que um gestor de pessoas precisa para exercer sua função, que segundo Marcel Telles e Vicente Falconi, é “bater meta, com o time, do jeito certo” [3]. Ou seja, a função do gestor de pessoas é atingir resultados através da sua equipe, e não independentemente, a despeito ou contra a equipe, como vemos em muitas empresas.

Esse ferramental inclui apoio no desdobramento de metas, que dão direção aos times; treinamento de gestores de primeira viagem, conduzido pela universidade corporativa da empresa; uma rotina de gestão que inclui reuniões de planejamento semanal (chamadas de RPS) e reuniões mensais de resultado (chamadas de RMR). Os gestores são cobrados por sua adesão a esse ferramental em todos os níveis da empresa: por business partners nas camadas gerenciais e por equipes de auditoria de gente e gestão que viajam o Brasil treinando e auditando a adesão dos gestores às práticas.

Segundo Sandro Bassili, VP de Gente e Gestão da América do Norte na AB Inbev, “entre as atribuições da equipe estão a definição das políticas de gestão de gente, o desdobramento de metas e o apoio técnico aos gestores de cada setor para serem eles os gestores de pessoas”.

Na Resultados Digitais, empresa de marketing digital de Florianópolis, por exemplo, a área de gente dá suporte aos gestores - a grande maioria exercendo a função pela primeira vez - com manuais de como conduzir reuniões one-on-one com seus times. O princípio é exatamente o mesmo.

Benefícios

Com esse apoio muito mais intenso da área de gente e gestão, o líder tem a estrutura que precisa para fazer seu papel: liderar. Se ele seguir o básico - reuniões de planejamento, de resultados, reuniões one-on-one, desdobramento de metas e algumas ferramentas de TQM - já está muito mais preparado para gerir pessoas do que provavelmente 99% dos gestores do mercado. E o RH pode ajuda-lo ao longo de toda a jornada, afinal de contas esse é o papel dos business partners.

Para o gestor, por outro lado, essa estrutura é um alívio: não há a ilusão ou a cobrança velada de que ele tenha alguma capacidade mágica e inata de liderança.

Portanto, incorpore um pouco mais de gestão em seu RH.

[1] “Criados" aqui com o sentido de adaptados das melhores práticas (teoria, livros, benchmarks externos) para a realidade da empresa

[2] Esse esforço de TQM foi impulsionado pelos problemas de produtividade que a empresa tinha com a sua então nova Fábrica Nova Rio, investimento vultoso da empresa que não atingira seu potencial produtivo, desafio este para o qual foi trazido Falconi

[3] Andy Grove, ex-CEO da Intel, em seu livro High Output Management, diz a mesma coisa com outras palavras: "o output (o resultado) de um gestor é, por definição, o resultado dos times que estão sob gestão ou influência desse gestor”. Ou seja, o trabalho do gestor não inclui gerir pessoas, mas sim é gerir pessoas.

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