Tipos de processos e orientação 

A orientação profissional é um importante aliado das pessoas em sua reflexão sobre carreira e desenvolvimento profissional. Esses serviços existem no Brasil desde o final da década de oitenta e ganharam grande divulgação e uso nos anos 2000. Entretanto, se instalou uma grande confusão sobre os tipos de orientação e seu uso pelas pessoas e pelas organizações. Trouxe esse tema para desmistificá-lo e para ajudar você na escolha do tipo mais adequado para as suas necessidades.

Podemos identificar claramente três tipos de orientação profissional:

  • Mentoria e tutoria (mentoring) – a mentoria e tutoria são destinadas a orientação de pessoas que estão ingressando em uma nova atividade. Elas ajudam a pessoa a oferecer respostas adequadas às demandas de sua nova posição em um período mais curto. A mentoria está focada em aspectos comportamentais da posição e a tutoria está focada na transmissão de conhecimentos técnicos e/ou metodológicos;
  • Aconselhamento (counseling) – é uma orientação destinada a pessoas que estão vivendo uma crise profissional. Essa crise é gerada em diferentes situações como, por exemplo: escolha de uma carreira, fechamento de um ciclo de carreira, aposentadoria, quebra do contrato psicológico com a organização, demissão etc.;
  • Coaching – é destinado a pessoas que já estão estabilizadas em suas posições e desejam aperfeiçoar sua atuação ou incrementar sua performance.

Vamos aprofundar um pouco mais a caracterização de cada uma dessas diferentes práticas e seu uso pelas pessoas.

Mentoria e tutoria

Origem e aplicação

A base da mentoria e da tutoria é de uma pessoa mais experiente orientando o desenvolvimento de pessoas menos experientes. A diferença está no foco do processo, o foco da mentoria é ajudar a pessoa a compreender a si própria e a sua relação com o contexto no qual se insere, onde a abordagem é basicamente comportamental. O foco da tutoria (chamada por algumas organizações como mentoring técnico) é transmitir ao orientado conhecimento e habilidades técnicas e/ou metodológicas.

A mentoria (mentoring) tem sua origem em Mentor, uma personagem de Homero. Mentor aparece pela primeira vez na Ilíada que conta a Guerra de Troia, seu filho Ímbrio é o primeiro a tombar na guerra. Posteriormente, aparece na Odisseia. Odisseu (na mitologia grega) ou Ulisses (na mitologia romana) vai para a Guerra de Troia e sabe que ficará fora de Itaca, cidade-estado que governa, durante anos e não poderá orientar seu filho, Telêmaco. Pede então para seu amigo Mentor orientar o desenvolvimento de seu filho.

Homero não informa a idade de suas personagens, porém, podemos deduzir que Mentor não está indo para a guerra porque é muito velho, já que seu filho, Ímbrio, está indo e que Telêmaco não está indo para a guerra porque é muito jovem, já que seu pai, Ulisses, está indo. Por essa razão se criou a imagem de que a mentoria é realizada por uma pessoa mais experiente em relação a uma pessoa inexperiente.

Ao acompanharmos vários programas de mentoria no Brasil observamos uma aceleração no desenvolvimento dos orientados. Por essa razão recomendo fortemente para os meus alunos de graduação que, no início de suas carreiras, procurem pessoas mais experientes em suas organizações para serem seus mentores. Normalmente, as pessoas mais experientes são generosas e sentem satisfação em transmitir seu conhecimento.

Essa prática não é só destinada a pessoas jovens. Observamos que na maior parte das organizações quando um profissional técnico ou funcional ou um vendedor assume uma posição gerencial recebe um grande baque em sua carreira. A posição gerencial não mais um degrau na carreira da pessoa, representa, na verdade, uma mudança de carreira.

Por que a posição gerencial é uma mudança na carreira? Porque a posição gerencial não é caracterizada pela liderança de outras pessoas, ela é caracterizada pela gestão de recursos escassos (orçamento, espaço físico, investimentos, massa salarial etc.). O gerente se caracteriza por estar na arena política da organização.

O que é a arena política? É a interação com os demais pares para discutir acesso aos recursos escassos, influência no processo de decisão da organização, construção de alianças internas e externas etc. Normalmente, as pessoas não são preparadas para atuar na arena política e muitas se sentem mal por não saber lidar com a situação. Nesse caso, o mentor tem um papel importante para apresentar o novo gerente à arena política da organização.

Quando assumi pela primeira vez uma posição gerencial tive muitas dificuldades. Certos dias saia da organização frustrado por ter passado o tempo todo em reuniões e não ter realizado nada. Nos dias em que punha a mão na massa me sentia muito bem, mas era o que não deveria mais fazer. Senti falta de orientação, meu chefe se reunia comigo, se muito, uma vez por semana e não tínhamos espaço para discutir minhas angústias.

Hoje recomendo a novos gerentes que procurem um gerente mais experiente para atuar como seus mentores. Pela análise de muitos casos desse tipo verificamos que os seis primeiros meses na posição são os mais sofridos. Um mentor abrevia esse período e o torna menos sofrido para o novo gerente. Algumas empresas adotam esse procedimento para todos os novos gerentes, mas infelizmente, ainda são poucas.

Definição do processo

A mentoria tem sido mais utilizada nas organizações para jovens considerados com potencial para assumir posições de maior complexidade ou pessoas que acabaram de assumir posições gerenciais com exposição à arena política, as quais necessitam de um interlocutor mais experiente e que não seja seu superior hierárquico.

A tutoria é exercitada com maior tradição nas universidades na relação entre orientador e orientados em cursos de graduação ou em programas de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Em nossas organizações é uma experiência recente e mais comum em organizações de base tecnológica, onde pessoas mais experientes que estão deixando a organização, normalmente por aposentadoria, necessitam transmitir seu conhecimento e sua sabedoria para outras pessoas.

No caso da tutoria o nível do orientado está muito ligado à complexidade do conhecimento a ser transmitido, o orientado deve ter musculatura suficiente para absorver conhecimentos técnicos de alta complexidade, mas principalmente a sabedoria do orientador, normalmente expressa em conhecimentos tácitos (conhecimentos que o orientador não tem consciência que tem) e em sua rede de relacionamentos.

Tanto a mentoria quanto a tutoria são práticas de orientação fáceis de implantar, mas oferecem algumas armadilhas. A principal delas é a pessoa mais experiente utilizar a situação para fazer um aliciamento visando interesses políticos pessoais. Analisamos um caso em que um diretor de uma empresa multinacional americana que ajudava seus orientados no processo de ascensão na organização para, mais tarde, solicitar apoio político. Outro diretor de uma multinacional francesa, promovia expatriação de seus orientados para que pudessem oferecer apoio político em suas filiais para os projetos de expansão da filial brasileira.

Para evitar esses efeitos perversos é importante que o processo seja bem estruturado, com um começo, mas, também, com um fim.

No caso da mentoria podemos apontar os seguintes cuidados a serem tomados:

  • Escolha dos mentores – os mentores devem ser pessoas mais sêniores da organização e, recomenda-se, 2 a 3 níveis acima do chefe da pessoa a ser orientada. As experiências no Brasil utilizando mentores que eram pares do chefe imediato do orientado ou pares do chefe mediato do orientado causaram problemas de relacionamento político, uma vez que o orientador tinha acesso a informações da cozinha de seu par e utilizava essas informações nos embates políticos. O mentor deve ser uma pessoa que personifica os valores da organização, por essa razão é interessante que seja estabelecido um perfil para o mentor e que a adesão seja voluntária;
  • Preparação dos mentores – o compromisso do mentor é com seu orientado e deve ajudá-lo a se desenvolver a partir de si próprio. Diferente do papel do gestor que, embora preocupado com o desenvolvimento dos membros de sua equipe, deve fazê-lo conciliando os interesses da organização e da pessoa. No limite o compromisso do gestor é com a organização e do mentor é com a pessoa. Por essa razão é fundamental a preparação do mentor, para que ele não venha a competir com o gestor real do orientado;
  • Estruturação do programa – o programa deve ter um começo e um fim, com duração definida, geralmente 1 ou 2 anos, as reuniões de orientação devem ter um roteiro sugerido de forma a garantir um resultado mínimo para todos os participantes. A desvantagem do programa não estruturado é que os orientados têm oportunidades desiguais dependendo do seu orientador;
  • Escolha mútua entre mentor e orientado – em nossas experiências o cuidado com a formação das duplas foi importante para a criação de uma relação comprometida desde o início. Geralmente oferecemos aos orientados a lista dos mentores e esses devem escolher em ordem de preferência três, desde que os mentores não tenham ascendência hierárquica sobre eles. Posteriormente, as solicitações são analisadas e, normalmente atendemos a primeira ou segunda preferência dos orientados, encaminhadas para os mentores verificarem se aceitam ou os orientados;
  • Patrocínio do programa de mentoria – o grande risco de o programa não ter sucesso é não ocorrerem as reuniões entre mentor e orientado. Por essa razão a recomendação é que o patrocínio não seja da área de gestão de pessoas, mas sim do presidente ou de um gestor sênior respeitado pelos demais participantes.

Enquanto a mentoria pode ser realizado em algumas reuniões, de 6 a 8 reuniões, a tutoria é mais exigente quanto a intensidade e frequência de encontros entre tutores e orientados. Para a transmissão de um conhecimento muito complexo estima-se reuniões semanais de duas a quatro horas durante dois anos. Para conhecimentos mais cotidianos e mais simples a estimativa é de reuniões semanais de 2 a 4 horas durante três meses. De qualquer forma a organização deve estar preparada para renunciar a duas pessoas (tutor e orientado) por duas a quatro horas por semana.

A tutoria pressupõe, ao contrário da mentoria, uma participação ativa dos gestores do tutor e do orientado. Se os gestores não estiverem comprometidos com o processo terão dificuldades para liberar tempo deles para realizar o processo. Por essa razão os programas de tutoria em nossas organizações são tão raros.

Os dois programas têm o condão de acelerar o desenvolvimento dos orientados e sua progressão na carreira. Em nossos estudos observamos, também, um desenvolvimento importante dos mentores e tutores. Os primeiros porque desenvolvem um olhar diferente para sua equipe e aumentam a sua sensibilidade para questões vitais para o desenvolvimento organizacional. Os segundos porque desenvolvem uma reflexão estruturada sobre seus conhecimentos e descobrem que sabiam coisas que não sabiam que sabiam.

Outra constatação em nossas pesquisas é que não importa o estilo de personalidade do orientador e do orientado. O que importa é a cumplicidade desenvolvida entre ambos. Fizemos vários experimentos juntando pessoas com características de personalidade semelhante e pessoa com características opostas e observamos que isso não fez diferença alguma.

Aconselhamento

O aconselhamento é a prática estruturada mais antiga, aparece pela primeira vez em 1909, quando vivemos a segunda revolução industrial e as pessoas estavam desorientadas profissionalmente, já que havia uma grande transformação, principalmente nas indústrias.

O aconselhamento, diferente da mentoria e do coaching, tem uma ação focada. Seu propósito é trabalhar uma dissonância vivida pela pessoa, geralmente ligada a questões de carreira. Por essa razão muitos autores usam o termo “aconselhamento de carreira”.

Essa dissonância pode ser provocada porque a pessoa está vivendo um momento de transição de carreira ou porque sente que houve uma ruptura no contrato psicológico estabelecido com a organização onde trabalha ou, ainda, porque foi demitido da organização e não consegue se posicionar adequadamente no mercado de trabalho.

Quando falamos de aconselhamento de carreira pressupomos que a pessoa já desenvolveu o que chamamos de identidade profissional. A identidade é desenvolvida lentamente, desse modo, um recém-formado não tem ainda uma identidade consolidada, essa consolidação ocorre a partir da relação da pessoa com seu trabalho. Por exemplo: sou formado em engenharia de produção e meu primeiro emprego é como analista financeiro em um banco, naturalmente não vou desenvolver uma identidade de engenheiro e sim de analista financeiro.

Acompanhamos nossos alunos de graduação durante cinco anos depois de formados e observamos que eles foram consolidar uma identidade profissional, em média, três anos após a formatura, inclusive os alunos do curso noturno que já tinham uma atividade profissional.

No caso de pessoas que não têm ainda uma identidade profissional consolidada o processo de aconselhamento é chamado de vocacional, ou seja, irá explorar as aptidões da pessoa para ajudá-la na escolha profissional ou na consolidação de uma identidade.

O aconselhamento está normalmente associado aos momentos de crise de carreira, algumas das quais previsíveis, tais como: entrada no mundo profissional, transições de carreira e saída do mercado de trabalho.

Coaching

No mercado brasileiro há uma grande confusão entre aconselhamento e coaching. Para esclarecer vale a pena discutirmos a origem do coaching aplicado à realidade organizacional. Essa forma de orientação profissional é a mais recente e seus formuladores estão vivos e produtivos.

A palavra coach tem sua origem, segundo alguns pesquisadores, no húngaro e, segundo outros, no francês, mas nos dois casos trata-se de um veículo puxado por vários cavalos, mais tarde o nome foi transferido para o condutor desses veículos. Ainda hoje os motoristas dos ônibus ingleses são chamados de coachs, reminiscências de quando esses veículos eram puxados por cavalos.

O termo coach foi transferido para o esporte a partir da ideia de que o coach detinha o conhecimento de como organizar da melhor forma os cavalos para ter o melhor rendimento ou para poupá-los. A ideia era que o coach no esporte fizesse o mesmo com seu time. A partir daí o termo coach se generalizou como treinador de qualquer tipo de atleta.

O termo foi transferido para o mundo organizacional a partir da observação de um coach de tenistas. Ele observou que o principal adversário dos tenistas de alta performance eram eles próprios. Por essa razão, tornou-se necessário prepará-los tanto em termos técnicos e físicos, quanto em termos emocionais e comportamentais.

A partir dos trabalhos com tenistas, desenvolveu-se uma abordagem mais voltada para a realidade organizacional que foi chamada de coaching for performance. O resgate da história é importante para mostrar que o coaching é destinado a profissionais maduros e consolidados em suas carreiras e o objetivo é ajudá-los a aprimorar sua performance, tal como aplicado a atletas.

Vale ressaltar as distinções entre aconselhamento e coaching:

  • Objetivo do trabalho – no aconselhamento o propósito é ajudar a pessoa a sair de uma crise em função do processo de dissonância que vive, enquanto o propósito no coaching é ajudar a pessoa, a partir dela própria, a aprimorar seu trabalho e obter um melhor rendimento de suas ações e decisões;
  • Método utilizado – no aconselhamento é ajudar a pessoa a resgatar a si mesma e, a partir daí, construir um projeto profissional. No coaching é ajudar a pessoa a perceber seus pontos fortes e como utilizá-los melhor e identificar pontos de aprimoramento, onde o coach auxilia seu orientado a desenvolver seus pontos fortes e trabalhar seu aprimoramento;
  • Situação da pessoa a ser orientada – a pessoa que procura o aconselhamento vive algum tipo de desequilíbrio enquanto, a pessoa que procura o coaching é uma pessoa hígida que quer melhorar sua performance.

Finalmente, é importante destacar que o coaching, quando demandado pela organização, é um processo tripartite, onde há uma relação entre coach, cochee e organização. Embora a agenda e as discussões entre coach e cochee sejam confidenciais, devem pautar-se pela agenda proposta pela organização. Em nossos levantamentos verificamos que raramente as organizações têm consciência disso e não pautam o processo e os resultados muitas vezes frustram tanto a organização quanto os coachees.

Os processos de orientação profissional podem se tornar uma ajuda importante em nosso desenvolvimento, desde que, saibamos o que usar e quando usar. Em todos os ambientes com os quais interagimos existem pessoas com conhecimentos e experiências valiosos, é importante estarmos abertos para absorver e buscar ajuda quando necessário.

Para tanto, devemos ser humildes e reconhecer que temos espaço para absorver novos conhecimentos e experiências e sabedoria.