A construção do nosso projeto profissional deve ser efetuada de dentro para fora e deve estar assentada em nossos pontos fortes. Ao longo do trabalho de acompanhamento de biografias profissionais notamos que muitos dos nossos entrevistados haviam utilizado seus pontos fortes como propulsores de suas carreiras. O propósito deste capítulo é discutirmos como essas pessoas realizaram esse processo e sua importância na construção e sustentação do projeto de desenvolvimento.
Em nossas vidas e em nossa relação com o trabalho e organizações enfrentamos muitas situações inesperadas. Por mais que estejamos preparados, essas situações podem desestruturar nossos projetos e/ou nossas construções visando o futuro. Por essa razão, devemos nos fixar naquilo que é essencial e nos reposicionarmos. Falar dessas coisas é muito fácil e já é um lugar comum, difícil é realizá-las. As pessoas que têm clareza de seus propósitos e conhecem a si mesmas terão mais velocidade para esse reposicionamento.
Para estruturarmos essa discussão abordaremos, inicialmente, a identificação, desenvolvimento e utilização de nossos propulsores de carreira e, finalmente, ações para sustentar e/ou viabilizar nosso projeto.
Propulsores da carreira
Os propulsores da carreira são características que possuímos e que nos permitem ampliar a complexidade do nosso trabalho e ampliar o valor das nossas contribuições para a empresa e para o meio social em que vivemos. De forma geral as pessoas usam essas características de forma não consciente.
Os nossos pontos fortes podem se traduzir em uma habilidade (saber fazer), em um comportamento social (saber se relacionar, saber se comunicar, saber ser etc.), em um dom (artístico, esportivo, visão analítica etc.) ou em uma mistura de habilidades, comportamentos sociais e dons. Usamos nossos pontos fortes de forma natural, faz parte de nós, e muitas vezes não os percebemos e/ou não os valorizamos. Conhecê-los e usá-los adequadamente é fundamental para o nosso desenvolvimento.
Observamos que utilizamos os nossos pontos fortes em todos os contextos em que nos inserimos. Ao nos desenvolvermos em um contexto levamos esse desenvolvimento para os demais contextos. Em vários depoimentos vimos muitos casos de pessoas que enfrentaram problemas familiares importantes e como esse processo as fez crescer tanto em termos pessoais quanto em termos profissionais.
Registramos em muitas situações como o nascimento do primeiro filho transformou a percepção da pessoa sobre si mesma e de sua relação com o mundo.
Um caso interessante me foi relatado pelo presidente de uma grande empresa de embalagens. Um de seus colaboradores que conduzia uma empilhadeira sofreu um grave acidente e quase perdeu a vida. Quando esse colaborador já estava em condições de receber visita o Presidente da organização foi vê-lo e ficou surpreso ao encontrar uma pessoa com um propósito: analisar os elementos causadores do acidente para que ninguém mais passasse pela mesma situação.
O Presidente me relatou que esperava encontrar uma pessoa deprimida e abalada pelo acidente e, ao invés disso, encontrou uma pessoa que já tinha investigado na internet problemas parecidos, havia analisado o que havia ocorrido por diversas perspectivas e tinha algumas recomendações para propor. Três meses depois do acidente o Presidente lhe fez o convite para assumir a coordenação de todas as iniciativas de segurança para evitar acidentes de trabalho na organização.
O trabalho representou para a pessoa um crescimento em sua vida profissional e trouxe uma grande contribuição para a organização por fazer seu trabalho com paixão.
Quando temos consciência de nossas forças, podemos colocar mais foco em seu contínuo aprimoramento. Essa questão ganha força no ambiente cada vez mais volátil e incerto em que vivemos. Somos demandados a um aprendizado ininterrupto de como adaptar nossas forças para novos contextos.
Como reconhecer e desenvolver as forças propulsoras da carreira?
As técnicas para o autoconhecimento sugeridas nos textos anteriores ajudam a nos reconhecermos. Podemos, entretanto, desenvolver algumas reflexões simples sobre a nossa experiência e retirar dali o reconhecimento de nossas forças, algumas delas são descritas a seguir:
Observar o que gostamos de fazer
Cada pessoa olha para o que gosta de fazer de uma forma diferente, como, por exemplo:
- Livre pensar - temos pessoas que efetuam listas sobre o que gostam de fazer sem nenhuma preocupação de categorizar, simplesmente usam de 10 a quinze minutos construindo a lista. Após a construção da lista selecionam as mais relevantes;
- Usando categorias – outras pessoas gostam de pensar dentro de categorias, como, por exemplo: trabalho, lazer, relação com a família, relação com amigos, trabalhos comunitários etc.;
- Reflexões espaçadas – outras pessoas preferem refletir um pouco sobre o tema, anotar, depois para e voltar a refletir no dia seguinte e assim por diante.
Não importa a forma que você vai utilizar o importante é pensar a respeito, trazer para o consciente o que você gosta de fazer.
Após selecionar as coisas que você mais gosta de fazer, reflita sobre o porquê. Ao refletirmos sobre porque gostamos de fazer algo, observamos que naquelas situações estamos utilizando nossos pontos fortes, ou seja, nossas habilidades naturais.
Fazemos essas coisas com prazer, não nos custa nada. Por essa razão muitas pessoas não valorizam suas habilidades naturais, porque acreditam que é um dom e deve ser compartilhado. Acredito que sim, deve ser compartilhado, mas é importante termos consciência para nos valorizarmos nesse processo.
Refletir sobre nossas principais realizações
Essa forma é um pouco mais exigente, mas é muito compensadora, porque relembramos momentos importantes em nossa vida que estavam perdidos em nossa memória. Nesse caso procure listar realizações profissionais e pessoais e selecione as mais expressivas para você.
Verifique porque elas são importantes: geraram grande satisfação e/ou foram reconhecidas como valiosas por outras pessoas e/ou foi o momento de um grande salto em termos pessoais/profissionais.
Analise que características suas você mobilizou para gerar os resultados obtidos. Há uma forte tendência de que algumas características estejam presentes em todas essas realizações. Essas características são os nossos pontos fortes, são os nossos propulsores de carreira.
Analisar nossas escolhas profissionais e pessoais
Uma outra maneira de descobrirmos nossos pontos fortes é observarmos pontos críticos em nossas vidas, momentos em que efetuamos escolhas. Quando analisamos biografias chamamos essas situações de incidentes críticos.
Muitas vezes acreditamos que as coisas aconteceram em nossa vida por acaso, mas por que uma organização me chamou para trabalhar? Por que escolhi aquela organização para me candidatar a um emprego? São questões que nos remetem a aspectos que nos chamam atenção no trabalho ou organização que escolhemos.
Quando compreendemos que efetuamos determinadas escolhas em nossas vidas descobrimos características que nos ajudam a perceber do que gostamos, o que fazemos bem, como nos diferenciamos em nossa profissão etc.
Ao analisarmos mais de seis mil biografias, entrevistando e conversando com as pessoas sobre as suas carreiras, observamos que existem padrões de escolha. Ou seja, as pessoas tendem a efetuar escolhas profissionais utilizando um mesmo padrão, mesmo em diferentes momentos da vida.
Existem pessoas que são motivadas pelo desafio, existem outras, entretanto, que são motivadas pela necessidade de ter o controle das variáveis que podem afetar a relação de emprego ou de trabalho. Essas últimas se sentiriam mais confortáveis em um ambiente mais estável, sabendo o que esperar.
Por essa razão é importante nos conhecermos e nos respeitarmos em nossas escolhas, não só de emprego, mas também de tipos de trabalho onde nos sentimos melhor e onde sabemos que podemos crescer e alavancar nossas carreiras.
Solicitarmos a opinião de outras pessoas
Outra técnica importante é pedir a opinião de outras pessoas a nosso respeito. Trata-se de um ato de coragem, porque é muito difícil escutarmos o que as outras pessoas pensam a nosso respeito. Por isso, para pedirmos a opinião das outras pessoas devemos estar preparados em dois aspectos: saber o que perguntar e estar preparado para ouvir.
Se perguntarmos algo de forma genérica ou vaga, como por exemplo: como você me vê, quais são as minhas melhores características etc. Você terá uma resposta vaga ou elogiosa, já que a pessoa para quem você fez a pergunta não sabe exatamente o que você quer ouvir e, provavelmente, não irá se expor negativamente.
É necessário explicar para a pessoa o porquê de sua pergunta e efetuá-la de forma precisa, como, por exemplo: em que situações ou trabalhos você percebe que eu faço diferença ou posso vir a fazer diferença e por quê? Você acredita que tenho a habilidade “x” na condução do meu trabalho ou no relacionamento com as pessoas, por quê? Na situação “x” você acha que eu fui bem-sucedido e por quê?
Saber ouvir pressupõe uma grande predisposição para se descobrir e levar em conta tudo que as pessoas disserem. É muito comum não compreendermos certas afirmações e deixarmos passar porque nos incomodam ou porque desqualificamos a pessoa ou sua afirmação como forma de proteção.
Utilização de profissionais especializados
Finalmente, uma outra possibilidade para a nossa descoberta é o uso de conselheiros de carreira. No Brasil não temos essa atividade tão desenvolvida como nos EUA e Europa, mas temos pessoas e organizações especializadas e bem-preparadas nessa área.
Devemos procurar um conselheiro quando estamos diante de decisões muito importantes para a nossa vida profissional e temos dúvidas importantes a respeito. Um bom conselheiro não vai nos indicar o caminho a seguir, mas vai nos dar grande ajuda para que possamos analisar a situação e a nós mesmos diante das alternativas. Nos ajudam a mantermos a coerência de nossa carreira ou a visualizar os momentos de mudança de carreira.
Normalmente os conselheiros atuam em momentos críticos de nossas carreiras como por exemplo: mudança de carreira, aposentadoria, a primeira maternidade para as mulheres etc.
Desenvolvimento dos nossos propulsores
Na medida em que reconhecemos nossos pontos fortes é importante estarmos atentos a oportunidades para utilizá-los e desenvolvê-los.
Desenvolvemos nossos pontos fortes quando os utilizamos em situações mais exigentes (mais complexas), nessas situações percebemos novos desafios para utilizarmos as coisas que fazemos bem.
Na medida em que nos conhecemos mais e tomamos consciência do nosso desenvolvimento ocorre um fenômeno estudado por diferentes pesquisadores, adaptamo-nos às necessidades do mercado e/ou da organização sem perder nossa coerência e consistência. Esse processo é conduzido pela pessoa, não pela organização, baseado em objetivos estabelecidos pelo próprio indivíduo.
A mídia tem procurado estabelecer perfis ideais de sucesso ou perfis ideais para a organização do futuro. A prática organizacional tem demonstrado que isso é um grande equívoco. As pessoas entregam o que é necessário para agregar valor para as organizações ou para o meio onde vivem de diferentes formas. Não há uma forma ideal para entregar algo que é esperado ou para agregar valor.
Temos observado que a diversidade de estilos, valores e culturas contribui muito para soluções inovadoras e velocidade de resposta das organizações para o seu meio. Por isso, a tendência é que as organizações estimulem cada vez mais as pessoas a se desenvolver a partir delas próprias.
O reconhecimento e o aprendizado do uso de nossas habilidades naturais são um diferenciador das entregas das pessoas para o contexto em que se inserem. Através do uso do que temos de melhor e seu aperfeiçoamento podemos, além de compreender de forma cada vez profunda e abrangente a demanda do contexto sobre nós, criar um alto grau de satisfação interior e um sentimento de realização profissional que nos impulsiona, criando, dessa forma, um processo circular de contribuição para o contexto e autorrealização. Esse processo foi o que encontramos como elemento comum nas biografias de pessoas felizes com suas vidas profissionais e que se diziam autorrealizadas.
Naturalmente essa não é uma caminhada linear, trata-se de um processo contínuo de experimentação onde vivemos momentos de insegurança e de frustração, mas em uma visão mais ampla de nossa caminhada vemos muito mais coisas positivas do que negativas.
Ações para sustentar nosso desenvolvimento
Um aspecto importante para a sustentação do nosso desenvolvimento profissional é o diálogo com as pessoas nos diferentes contextos onde nos inserimos. Isso não é algo que as pessoas façam de forma natural, em nossas pesquisas no Brasil, verificamos que as pessoas raramente conversam sobre carreira e desenvolvimento profissional em seus relacionamentos pessoais. Esse tipo de assunto não está em nosso cotidiano.
Esse é um aprendizado importante, dialogar com as pessoas em quem confiamos ou que podem nos ajudar em nosso desenvolvimento sobre nossos propósitos e intenções em termos profissionais.
As redes de relacionamento são um elemento importante para viabilizarmos nosso projeto e ajudá-lo a ser sustentado. Normalmente as informações importantes e relevantes não estão formalizadas e/ou estruturadas, estão em constante construção na relação entre as pessoas.
Se estamos atuando em uma organização e/ou negócio, compreender seu rumo e o que ocorre no contexto em que se insere é muito relevante. Essas informações estão dispersas e necessitamos de muitas fontes para formarmos um quadro coerente. A compreensão do contexto é um processo, e não uma ação pontual e episódica, por essa razão a relação com as fontes de informação é algo contínuo. Conseguimos manter uma relação continua com nossas fontes se houver um processo de troca, ou seja, a relação se mantém se a alimentamos com informações.
Se atuamos em uma atividade técnica ou de especialidade profissional, nossa atualização está muito vinculada a um contato contínuo com matrizes geradoras de conhecimento e/ou informação. O ideal é que em alguns aspectos também sejamos matrizes geradoras de conhecimento e informação. Caso contrário teremos acesso ao conhecimento e/ou informação de segunda ou terceira mão. O acesso tardio a conhecimentos e informações para algumas profissões e/ou negócios pode significar perdas importantes.
Para viabilizar e/ou sustentar nosso desenvolvimento profissional podemos elencar as seguintes ações.
Discussão sobre os nossos propósitos e objetivos profissionais.
Conversar com pessoas de nossa confiança sobre os nossos propósitos e objetivos profissionais, além de amadurecê-los, construímos alianças importantes para nos ajudar a realizá-los.
Construção de alianças para o desenvolvimento profissional.
O desenvolvimento das pessoas está intimamente ligado à incorporação de atribuições e responsabilidades de maior complexidade. De um lado, temos a ação da própria pessoa e, de outro lado, temos a necessidade de a pessoa obter o espaço necessário na organização e/ou no contexto no qual se insere para poder exercitar ações ou decisões de maior complexidade.
Esse espaço é conquistado através do relacionamento e realizações da pessoa atuando individualmente ou em grupo. Quanto maior a complexidade maior é a prevalência da produção coletiva em detrimento da produção individual. A forma como construímos e cumprimos compromissos assumidos com outras pessoas determina nossa credibilidade e reputação profissional.
Construção e sustentação de redes de relacionamento
Ao longo de nossa experiência profissional construímos diferentes redes. O posicionamento das pessoas em relação às redes de relacionamento varia em função da personalidade, cultura social, socialização, habilidades, necessidades pessoais e profissionais etc., em qualquer situação, as redes se tornam cada vez mais importantes em um contexto com alto nível de conexão entre pessoas e em rápida transformação. As redes possibilitam uma atualização mais rápida e, também, tornam-se um espaço para discussão e aprofundamento em relação a determinados temas, situações ou problemas.
Desenvolvimento de interlocutores de carreira
Encontrar pessoas com as quais podemos conversar sobre o nosso projeto profissional não é simples, o ideal é que seja uma pessoa que vive um momento parecido com o nosso e de quem gostamos e temos respeito. Recomenda-se que não seja um colega da organização, que em um momento é grande amigo e no momento seguinte pode estar disputando conosco uma posição na organização.
Recomenda-se que não seja alguém muito ligado a nós afetivamente, porque essas pessoas normalmente não têm distância crítica para nos enxergar e nem têm familiaridade com a realidade profissional que vivemos. Normalmente, a pessoa que escolhemos como interlocutora de carreira nos elege, também, como interlocutor. Os encontros para conversar sobre carreira devem ser informais.
A vantagem de um interlocutor de carreira é termos alguém para regularmente trocarmos ideias sobre nossas intenções e dúvidas, porém a maior vantagem é quando vivemos uma crise de carreira. Se levarmos essa crise para dentro da organização podemos ser mal interpretados e se levarmos para pessoas próximas de nós afetivamente elas poderão fazer pouco. A contratação de profissionais especializados leva algum tempo para gerar os resultados necessários. Podemos ter acesso imediato ao nosso ou nossos interlocutores de carreira.