A evolução dos processos de avaliação nas organizações conduz para a construção de duas instâncias. A primeira instância é a avaliação efetuada no âmbito do(a) avaliador(a) e do(a)avaliado(a), seu objetivo é único e exclusivamente o de desenvolver a pessoa avaliada. A segunda instância é feita de forma colegiada e tem como principal objetivo definir diferenciações entre as pessoas. Essas diferenciações implicam em aumentos salariais, ações para retenção, promoções, movimentações, indicações para o processo sucessório ou para posições críticas para o negócio ou demissões. As diferenciações devem ser efetuadas em função do merecimento da pessoa e das limitações orçamentárias da organização. Desse modo, nem todos os que merecem um aumento salarial o terão, a questão é distinguir dentre as pessoas que merecem aquelas que merecem mais. 

Nos últimos anos, foi possível assistir uma evolução nos critérios e processos colegiados de avaliação nas empresas pesquisadas. Na sequência, vamos apresentar como são construídas as dinâmicas em algumas dessas empresas e qual tem sido a efetividade desses processos. Foi possível constatar que os processos colegiados contribuíram muito no aperfeiçoamento dos critérios e processos para a efetivação da avaliação de pessoas.

Composição, preparação e condução de processos colegiados

No estabelecimento de critérios, observamos dois conjuntos. O primeiro são critérios de mérito, normalmente atrelados ao desempenho, ou seja, as contribuições oferecidas pelas pessoas na obtenção de resultados e a forma como conseguiram obter os resultados. O segundo conjunto está atrelado ao potencial das pessoas para assumir posições de maior complexidade.

Quanto aos critérios de potencial, temos uma questão importante: a pessoa é um potencial ou está potencial? Inicialmente parece ser uma questão semântica, mas ao nos atentarmos mais, verificamos que é uma questão de ordem. Caso encaremos a pessoa como sendo potencial ela sempre será e quem não é nunca será. Ao assumirmos que a pessoa é um potencial, passamos a criar estigmas, rotulando pessoas que são potenciais e pessoas que não são potenciais. Embora as principais teorias que embasam essa discussão proponham que a pessoa é potencial, a proposta do grupo de pesquisadores ao qual pertenço é que a pessoa seja encarada como estando potencial.

Essa postura em relação ao tema é embasada em observações empíricas e mais pragmáticas. Ao encararmos a pessoa como estando potencial, podemos estabelecer as bases para que ela entre nesse estado e para que ela saia desse estado, ao mesmo tempo em que criamos critérios transparentes para o acesso a condição de potencial para as pessoas interessadas.

Reunir líderes para avaliar pessoas e tomar decisões sobre elas não é um processo fácil. Em razão disso é um processo evitado na maior parte das empresas brasileiras, realizado apenas quando há o amadurecimento da gestão de pessoas que cria as bases e a pressão para que ocorra. Essa pressão é exercida quando as pessoas avaliadas são pessoas esclarecidas e exigentes, quando há um processo mais transparente de valorização e carreira e/ou quando as lideranças se sentem ameaçadas quando não decidem sobre as pessoas de forma conjunta.

A organização quer privada ou pública nunca terá recursos suficientes para aumentar o salário de todos os que merecem e nem para promover todos os que estão em condições de exercer trabalhos mais complexos. Com recursos escassos há necessidade de priorizar quem terá seu salário aumentado ou será promovido, mas com base em que critérios? Caso não existam critérios legítimos, essas decisões serão sempre alvo de disputas políticas e as pessoas com maior influência ou habilidade para se locomover na arena política serão privilegiadas e privilegiarão suas equipes. 

Em algumas organizações, essas decisões ficam na mão do presidente, apoiado por equipe técnica. Naturalmente, a equipe técnica que irá subsidiar as decisões do presidente torna-se alvo de constantes críticas. O presidente, por seu lado, acaba assediado por seus diretores e gerentes que buscam benesses para si e para sua equipe. A formação de colegiados faz com que, dentro de limites orçamentários e regras de conduta para valorizar e reconhecer as pessoas, os próprios gestores decidam quem privilegiar e o motivo. Ao terem que tomar essas decisões, tornam-se mais propensos a definir coletivamente regras para os auxiliem a tomar essas decisões e para que consigam, posteriormente, justificar seu posicionamento para as suas equipes.

Como uma técnica para combinar variáveis de natureza diferentes, as empresas brasileiras utilizam uma matriz de dupla entrada. O mais comum é agrupar as pessoas nessa matriz em nove quadrantes, onde cada um apresenta um tipo de endereçamento. O nome mais comum é “nine box”, embora algumas empresas chamem de nove quadrantes ou “nine blocks”.

Algumas pessoas atribuem poderes mágicos às técnicas e pelo fato de aplicarem o “nine box” acreditam que todos os seus problemas de análise estão resolvidos. São apresentados a seguir dois exemplos dessa técnica e é possível verificar que, dependendo do que colocamos como variáveis nos eixos, as análises dos quadrantes variam muito.

Primeiramente, trago duas experiências, uma de uma organização de origem francesa que adaptou para o Brasil o modelo da matriz e outra de uma organização brasileira no setor de construção civil. Em ambos os casos, no eixo x (abscissa) é colocada uma escala de atendimento de competências e comportamentos e no eixo y (ordenada) é colocada uma escala de resultados, ou seja, em que nível a pessoa alcançou suas metas. A organização brasileira foi motivada a buscar essa escala porque suas lideranças valorizavam basicamente o alcance de metas sem levar em conta como haviam sido alcançadas. A partir da implantação da matriz, houve uma mudança gradativa da atitude das lideranças e das pessoas em relação aos critérios de valorização. A seguir é apresentado na figura 1 o exemplo da empresa francesa:

Figura 1 – Exemplo de matriz de avaliação

Fonte: Figura criada pelo autor

Nessa matriz, é interessante observamos as extremidades do gráfico. No caso de uma pessoa que está acima no “como” e acima no “o que”, quais seriam as recomendações em termos de desenvolvimento, carreira, processo sucessório, retenção e remuneração? Em um olhar mais desavisado, poderíamos pensar em uma pessoa pronta para maiores desafios, mas isso pode não ser verdade, já que não temos informações suficientes para esse encaminhamento. Podemos ter uma pessoa excelente na sua performance e em seu comportamento e sem condições de assumir posições de maior complexidade. De qualquer modo, uma pessoa nesse quadrante é um exemplo a ser seguido e, portanto, muito importante para a organização. Provavelmente, é uma pessoa que a organização não quer perder.

Quando analisamos o quadrante onde a pessoa está acima no “o que” e fica abaixo no “como” temos uma situação que inspira cuidado. Nesse quadrante, podemos ter uma pessoa que embora traga bons resultados no curto prazo os comprometa no longo prazo ou que cria um ambiente negativo ou ruim a sua volta ou que trate as pessoas com desrespeito, etc.

Outro exemplo é de uma empresa do setor industrial que trabalha no eixo x (abscissa) o desempenho, envolvendo o desenvolvimento, a performance e o comportamento.

Figura 2 – Exemplo de matriz de avaliação

TabelaDescrição gerada automaticamente

Fonte: material coletado pelo autor em empresa industrial brasileira

Na matriz apresentada na figura 2, as pessoas caracterizadas na coluna acima do esperado são as mesmas que na figura 1 estão caracterizadas no quadrante mais do que realiza no “o que” e acima no “como”.

Ainda na figura 2, o eixo y (ordenada) mostra qual é a perspectiva, na opinião do comitê, sobre o quanto a pessoa pode crescer na organização. Essa perspectiva é construída com base na avaliação de potencial.

Assim, quando temos uma pessoa no quadrante nove trata-se de uma pessoa que está acima em todos os parâmetros em sua atual posição e pode crescer até dois degraus na estrutura organizacional. Essa pessoa deve ser indicada para o processo sucessório.

Na pesquisa realizada, em três delas tivemos a oportunidade de preparar as lideranças para as reuniões de comitês e acompanhamos algumas reuniões. Nessas reuniões, o líder está com seus pares e seu superior hierárquico, está avaliando as pessoas, mas, também, está sendo avaliado. Os comitês são arenas políticas onde os participantes estão disputando espaços e vivendo uma grande exposição. Os critérios utilizados para avaliar os membros da equipe são, também, utilizados para avaliar os avaliadores. Os colegiados tornam-se um ambiente complexo para as lideranças, estimulando um preparo prévio para evitar exposições negativas.

Um líder que negligencia a avaliação de sua equipe e atribui aos seus subordinados as notas máximas terá muita dificuldade para se explicar diante de seus pares e seu superior. O líder deve estar muito bem fundamentado para suportar seus argumentos.

Como funciona a maior parte dos comitês: os gestores, através de sua experiência e dos embates vividos em outras reuniões, têm um conjunto de parâmetros para defender se uma pessoa está dentro do esperado ou acima. Sempre as decisões são tomadas comparando as pessoas. Se eu, por exemplo, convenço meus pares que meu subordinado de nome João é acima do esperado, há uma tendência de que ele seja utilizado como parâmetro para avaliar os demais, mas vamos supor que no meio do processo o subordinado de um colega de nome Antônio é visto como melhor que o João, há uma alteração nos critérios e todas as pessoas avaliadas até então serão novamente avaliadas no novo padrão.

Foi possível observar que nos processos colegiados com maior maturidade há um padrão de exigência mais elevado. Nossa explicação para esse fato é que em um processo mais maduro, há mais foco na cobrança e nos critérios de valorização, fazendo com que as pessoas apresentem um melhor desempenho.

Nos casos analisados, as lideranças se preparam para os colegiados efetuando previamente as avaliações de suas equipes, um diálogo com cada membro de sua equipe, a análise crítica de sua equipe e um exercício de posicionamento de cada um nos quadrantes da matriz. Desse modo, quando chegam aos comitês estão bem-preparados. Durante a realização dos comitês, um líder pode perceber que foi muito rigoroso na análise de um membro de sua equipe ou que foi pouco rigoroso. Essa percepção é um complemento ao diálogo que já havia mantido com a pessoa e ajuda-o a recalibrar as ações de desenvolvimento e o rigor da cobrança em relação à sua equipe.

Na maior parte das organizações, os colegiados descem na estrutura organizacional. Os diretores são avaliados pelo presidente em conjunto com alguns membros do conselho, os gerentes são avaliados pelos diretores em conjunto com o presidente e assim por diante. Existem, entretanto, rituais interessantes. Em uma das organizações pesquisadas, o presidente, diretores e gerentes ficam reunidos durante três dias, avaliam todas as pessoas da empresa e tomam as decisões gerenciais pertinentes. Em outra organização que tem vários negócios, é efetua uma rodada de avaliações dentro da estrutura e depois as lideranças são reunidas para efetuar avaliações cruzadas por função.

Desse modo, todo pessoal de finanças é avaliado pelas pessoas de finanças, todo pessoal de tecnologia da informação, todo pessoal de segurança do trabalho e assim por diante. Nesse último exemplo, o processo colegiado de avaliação por função permite a troca de experiências, aperfeiçoamento dos padrões de valorização na função, descoberta de pessoas interessantes para intercâmbio entre unidades de negócio e a construção de ações conjuntas de desenvolvimento de pessoas.

A organização deve procurar criar rituais para a avaliação colegiada o mais alinhados possível a sua cultura, assim procedendo, há uma maior chance de serem assimilados por todos.