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Há três anos, a Adobe “aboliu” a prática tradicional de avaliação de performance do seu vocabulário de recursos humanos. “Aboliu” entre aspas, pois ao contrário do que se faz entender pela imprensa, foi muito mais uma adaptação do processo tradicional que conhecemos (há décadas) às novas práticas de feedback constante, sem “rating”, e um desacoplamento completo dos processos de crescimento e desenvolvimento dos processos de reconhecimento e compensation.
Por processo tradicional, entende-se um grande esforço de avaliação de performance anual, que servia (em muitas empresas, e indevidamente) a dois propósitos: a) de definidor de decisões de carreira e compensation (promoções, bônus, opções de ações, e sucessão), e b) de único trigger para que performance e comportamento fossem discutidos entre gestores e funcionários.
O problema, como já discutimos várias vezes, é que esses dois propósitos não andam bem juntos. Feedback olha para o futuro: como o funcionário pode melhorar suas ações para que obtenha resultados cada vez melhores, e em consequência, atinja seus objetivos pessoais. Reconhecimento, por outro lado, olha para o passado: quanto o funcionário entregou de resultados e impacto à empresa, e como isso deve ser recompensado para que ele, e dentro do possível, seus colegas, sintam-se motivados a fazer o mesmo.
Muitas empresas e gestores, no entanto, conduzem os dois processos simultaneamente: a avaliação de desempenho acaba sendo a única instância em que a performance do funcionário é discutida, e portanto o único momento do ano em que feedback é dado e recebido; o feedback (principalmente nos casos de pares-a-pares) sai morno, de medo que afete a remuneração do(a) colega; para piorar, algumas empresas fazem as duas discussões – feedback e reconhecimento – numa mesma reunião, o que acaba com a qualidade do feedback[1].
Na Adobe, não era muito diferente: não havia um processo de feedback contínuo, que servisse de espinha dorsal dos esforços de crescimento e desenvolvimento na empresa. Assim, a avaliação anual, que tinha como produto principal a decisão de reconhecimento, acabava sendo muito penosa: a organização inteira tinha que – tentar – revisitar a performance coletiva do ano todo. Obviamente, não funcionava. Todos ficavam cansados, exauridos, e os objetivos eram pouco atingidos.
Outra grande limitação estratégica encarada pela Adobe era o framework de metas anuais. A empresa passava por uma guinada muito grande no seu negócio e mercado – de provedora de software on-premises para uma empresa totalmente baseada na nuvem, que atendesse às mais variadas demandas criativas e de mídia dos seus clientes (a plataforma Behance é um exemplo excelente) -, o que implicava em mudanças constantes de prioridades e direção, e na necessidade de um processo de gestão mais ágil e flexível. Nas palavras de um funcionário, “quando chegávamos ao fim do semestre, nossas metas já não faziam o menor sentido”.
Todas essas limitações internas e externas serviram de pano de fundo para tudo o que aconteceu na Adobe. Foi então que Donna Morris, sua SVP de Gente, numa viagem à Índia, acabou dando uma entrevista que mudaria tudo. Na entrevista, Morris comentou que estava “farta” das avaliações de performance, e a declaração teve tanta repercussão que a executiva acabou usando o momentum gerado para de fato buscar algo diferente.
O novo desenho
Como na GE, a equipe de RH da Adobe decidiu adotar uma metodologia ágil para redesenhar e implementar uma nova forma de gerir performance. Foram feitas pesquisas, entrevistas e workshops com as lideranças da empresa, com o intuito de entender o que era produtivo e o que era improdutivo no processo antigo, e o que deveria ser buscado em um novo desenho.
O resultado foi chamado de “Helping our employees do and be their best, each and every day”. A escolha de palavras foi importante, pois “do” e “be” eram verbos presentes na marca da empresa (A-do-be).
O formato escolhido era extremamente simples: check-ins constantes (encorajam-se conversas mensais ou bimestrais) entre gestor e subordinado. O formato dos check-ins é baseado em um tripé de:
- Expectativas: o que é esperado do funcionário, sua performance (uma análise do passado e uma discussão de causas e efeitos), estabelecimento de novas expectativas, ou prioridades;
- Feedback: O que o funcionário está fazendo de condutivo à sua performance, e o que está atrapalhando sua performance;
- Crescimento: como o funcionário pode se desenvolver para melhorar na sua função e atingir seus objetivos de carreira.
O papel do RH no processo passou de “dono” para o de treinador e facilitador.
A avaliação anual foi descontinuada em favor dos check-ins, e a decisão de compensation passou a ser tomada em um ciclo mais curto e simples a cada Janeiro.
Reconhecimento: a grande questão
Quem vê a troca da avaliação anual de performance por check-ins, feedback contínuo e abolição de ratings não consegue parar de se perguntar como fica a meritocracia na história: identificar e recompensar desproporcionalmente os funcionários que tiveram maior impacto, em detrimento dos que tiveram menor impacto.
Na Adobe, a teoria é que o gestor, após um ano de check-ins frequentes com seus funcionários sobre performance e comportamento, tem uma visão muito clara do impacto gerado e alinhamento cultural dos seus subordinados diretos, de modo que a decisão de remuneração fica muito facilitada.
Assim, ao fim do ano, quando ocorrem decisões de remuneração, os gestores recebem pacotes de bônus, aumentos salariais, stock-options, dias de folga, etc. O gestor é então convidado a usar seu julgamento para alocar seu “arsenal” de reconhecimento da maneira mais eficiente possível. Assim, ele pode concentrar stock-options para os funcionários mais empreendedores/orientados para o longo-prazo, concentrar bônus aos que valorizam liquidez, e aumentos salariais para os funcionários que possuem um custo de vida alto, de acordo com o que sabem das expectativas e preferências de cada um (segundo a Adobe, dias de folga estão entre as ferramentas de reconhecimento da empresa).
À área de RH cabe monitorar a alocação “à distância”, para identificar possíveis distorções excessivas ou inapropriadas, e treinar os gestores para que tomem as melhores decisões ao seu alcance.
Para baixar a bibliografia selecionada sobre o tema de avaliações de performance na Adobe, clique aqui.[1] Se numa mesma reunião o feedback é dado antes da decisão de remuneração, o funcionário está aflito e ansioso demais para ouvir o feedback; se é dada depois, ele está feliz ou triste demais para ouvir o feedback. Ou seja, é a famosa árvore de consequências perde-perde.