A avaliação 360 graus é uma das ferramentas mais usadas — e, algumas vezes, mal utilizadas — da caixa de ferramentas de gestão de desempenho de uma empresa. Ela tem como objetivo obter uma visão ampla da performance das pessoas colaboradoras, mas comumente esse objetivo se perde no meio do caminho.

Para ajudar você a evitar erros no processo, neste artigo, falaremos um pouco sobre o que é a avaliação 360 graus, qual a diferença entre avaliação e feedback 360 graus, quais são os motivos mais frequentes pelos quais as empresas adotam a ferramenta, quais suas limitações e principais riscos além de alguns erros comuns de aplicação.

O conteúdo será todo baseado na literatura de psicologia organizacional e industrial que tem insights muito bons sobre esse tema. Portanto, se prepare para aprender muito!

O que é a avaliação 360?

Avaliação 360 (também chamada de Avaliação 360 graus) é um tipo de avaliação de desempenho aplicado por algumas empresas. Trata-se de um processo de mensuração dos indicadores de desempenho de uma pessoa colaboradora a partir da avaliação de diversas pessoas, sendo elas:

  • liderança direta;
  • pessoas lideradas (caso o profissional tenha algum cargo de gestão);
  • colega de equipe (pares);
  • colega de empresa (e de equipe diferente) ou cliente interno;
  • em alguns casos, autoavaliação.

Nesse sentido, o termo “360 graus” diz respeito a essa ideia de diversas fontes de avaliação “ao redor” da pessoa avaliada.

Quais devem ser os critérios da avaliação 360?

Como vimos anteriormente, uma avaliação 360 graus é uma avaliação em que um colaborador é analisado por um conjunto de pares, liderados, líder e clientes internos em uma série de critérios que podem variar conforme os objetivos da empresa em relação à avaliação, indo desde valores da empresa até resultados.

"Os critérios da Avaliação 360 podem ser valores, competências, comportamentos, contribuições e resultados.

Na Ambev, por exemplo, a avaliação 360 graus é baseada em comportamentos que são derivados de competências corporativas. Essas competências, por sua vez, são derivadas dos princípios da empresa (algo como "mandamentos" ou "valores") de cunho cultural. Esse é o modelo mais comum de avaliação 360 graus.

Considerações comuns sobre os critérios

Em algumas empresas, esses critérios podem variar com base na relação entre o avaliador e o avaliado. Em alguns casos, liderados avaliam seus gestores em critérios relacionados à gestão de pessoas.

Em outras empresas, alguns critérios são específicos por área de atuação do liderado (por exemplo, no caso de competências técnicas para desenvolvedores de software ou habilidades ligadas a Vendas, para vendedores).

Outra possibilidade é que os critérios mudem com base na senioridade do cargo do avaliado. Nesse caso, alguns fundamentos serão usados para avaliar o CEO da empresa que são muito diferentes dos critérios usados para avaliar um analista.

Aqui, vale ressaltar que o mais comum é que as competências se mantenham sempre as mesmas, ou seja, tanto o CEO quanto o analista são avaliados na competência "liderança". No entanto, o CEO será avaliado em comportamentos muito mais complexos do que o analista.

Assim, do CEO se espera a "capacidade de inspirar a ação em uma grande quantidade de pessoas" enquanto do analista se espera apenas "comunicar suas opiniões com clareza nas horas certas" dentro do espectro da competência "liderança".

Como escolher os critérios

Avaliações, de maneira geral, existem para servir a dois grandes objetivos:

  • desenvolver o desempenho dos colaboradores de uma empresa;
  • tomar decisões de gente, como quem deve ser promovido, movimentado, desligado, ou ganhar aumentos e bônus por desempenho — processo que, por definição, não costuma ser beneficiado pela avaliação 360.

No caso da avaliação 360, os critérios devem ser escolhidos conforme a estratégia desenhada pelo time de RH da empresa. Para isso, é importante levar diversos fatores em consideração, como a relação entre pessoa avaliadora e pessoa avaliada ou área de atuação da pessoa avaliada.

Portanto, cada organização deve selecionar alguns critérios entre as categorias principais (valores, competências, comportamentos, contribuições e resultados), conforme o que faz sentido para a cultura organizacional, os objetivos da empresa e as tomadas de decisão posteriores.

Quais são os principais objetivos da avaliação 360 graus?

As avaliações 360 graus (versus avaliações gestor-liderado e similares) são usadas por três grandes motivos nas organizações, como explicamos a seguir.

1. Aumentar a percepção de justiça dos participantes do processo

Aumentar a percepção de justiça dos participantes do processo é um objetivo nobre: pesquisas (Moorman, 1991; Konovsky & Cropanzano, 1991) mostram que o tratamento justo de colaboradores traz maior confiança nos gestores, maior comprometimento dos colaboradores com a organização e maior satisfação dos colaboradores com o trabalho.

A ciência demonstra que algum tipo de autoavaliação no processo aumenta significativamente a percepção de justiça dos colaboradores para com processos de avaliação de desempenho. Entende-se que o colaborador sente-se tratado com justiça por ter parte no processo. Por ter "sua voz ouvida".

Além disso, a ciência também comprova que a adição de múltiplos avaliadores melhora a atitude de colaboradores, especialmente gestores recebendo avaliações de seus liderados, em relação ao processo de avaliação (Bernardin, et al., 1993). Portanto, se seu objetivo é aumentar a percepção de justiça do processo, algum componente de avaliação 360 graus pode ser positivo.

2. Avaliar diferentes perspectivas sobre o comportamento do profissional

Por fim, em um ponto complementar ao anterior, é fundamental ter visões diversificadas sobre o profissional, incluindo líderes, liderados e pares. Esse processo permite compreender se há muitas diferenças no comportamento do(a) avaliado(a) dependendo do contexto ou da relação analisada, favorecendo uma avaliação mais justa, precisa e completa.

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Dicas para implementar avaliações 360 graus

Para ajudar quem deseja implementar a avaliação 360 com qualidade, trazemos recomendações práticas e baseadas na ciência de como utilizar essa ferramenta com mais eficácia (e menos potenciais perdas para sua cultura e desempenho).

Aqui vamos nos apoiar integralmente nos achados de DeNisi e Klugger, que avaliaram mais de 600 estudos científicos sobre avaliações 360 graus. Vamos às recomendações:

1. Evite usá-lo em tomadas de decisão

Não use avaliações 360 graus para tomar decisões de gente (quem deve ser promovido, movimentado, desligado, ou ganhar aumentos e bônus por desempenho): como vimos, isso aumenta a ansiedade relacionada ao processo, piora as chances de ganhos de desempenho por parte dos avaliados e piora muito a precisão das avaliações (que são infladas).

2. Procure não trazer comparações

Evite apresentar comparações entre a autoavaliação e as avaliações de outros grupos: isso pode levar o avaliado a questionar a imagem que tem de si mesmo, o que piora significativamente as chances de ganhos de desempenho após o processo.

3. Preze por avaliações qualitativas

Incentive os participantes a fornecerem avaliações qualitativas: a parte mais importante do processo é o componente qualitativo, que tira o foco das notas e aumenta as chances de o feedback gerar desenvolvimento.

4. Estimule o feedforward

Incentive os participantes a fornecerem feedforward: outra parte fundamental do processo e que frequentemente é deixada de lado quando há a presença de notas e conceitos é o feedforward, ou seja, os insumos que o avaliador dá ao avaliado de como ele pode melhorar, ou seja, agir de maneira diferente, no futuro.

Diferença entre avaliação 360 graus e feedback 360 graus

O foco desse artigo é a avaliação 360 graus. E avaliação 360 graus não é necessariamente a mesma coisa que feedback 360 graus.

Quando falamos em avaliação 360 graus, estamos abordando algum tipo de formulário em que as pessoas avaliadoras dão notas, conceitos ou ratings à avaliada em uma série de critérios que podem ser comportamentos, competências, valores ou até resultados.

Quando falamos em feedback 360 graus, estamos falando de um processo mais qualitativo, no qual o foco está na narrativa e no texto, e não na classificação de algum atributo do outro. O feedback da Netflix, por exemplo, que é livre (ou seja, manda quem quer para quem quer) é baseado em comportamentos que o receptor do feedback deve começar, parar ou continuar apresentando.

Para ajudar você a clarear as ideias, vamos falar um pouco mais do que é feedback e do que é avaliação.

Feedback

Quando pisamos no chão, a reação que a força do nosso pé sobre a superfície gera (neste caso, no sentido contrário) nos serve de feedback de que estamos pisando em uma superfície firme, que aguenta nosso peso. Se pisamos em uma superfície mais mole ou instável, usamos a diferença nas nuances dessa reação para recalibrar nossos passos e até o uso dos músculos da nossa perna.

Quando conversamos com alguém também recebemos feedbacks sobre o andamento da conversa. Quem está falando com a gente pode, por exemplo, mostrar traços variados de linguagem corporal que nos mandam informações relevantes sobre se estamos agradando a pessoa, deixando-a interessada, entediada, etc.

E frequentemente esse feedback do ambiente — neste caso, do outro — serve de base para que mudemos nosso comportamento de acordo com nossos objetivos. Um comediante, por exemplo, pode usar a ausência de risos e contato visual da plateia para mudar as piadas que usa com o objetivo último de agradar seu público ao máximo.

No trabalho, feedback tem um significado um pouco mais específico. Tratamos de feedback aqueles "puxões de orelha" que um gestor ou colega dá  quando fazemos alguma coisa que desagrada ou que é considerada inadequada.

Também chamamos de feedback aquela conversa cheia de ansiedade e nervosismo que temos com nosso gestor no fim de um processo de avaliação de desempenho — em que, muitas vezes, percebemos quão desnecessário pode ter sido toda a emoção pré-papo, que, no fim das contas, pode ser ótimo e motivo de orgulho. Nela, recebemos informações sobre nosso desempenho, sobre pontos fortes e a desenvolver, sobre promoções e aumentos de salário e assim por diante.

Avaliação

Quando buscamos o significado da palavra "appraisal", raíz em inglês usada nas expressões "performance appraisal" ou "360-degree appraisal", veremos que o Google nos diz que "appraisal" é a estimativa da natureza, qualidade ou habilidade de alguém ou alguma coisa. O Google nos dá como sinônimos avaliação, julgamento, estimativa, análise e opinião.

Com base nessa definição, derivada de dicionários da língua americana, podemos inferir que avaliação é mais do que um simples feedback que o ambiente nos manda. É um feedback carregado da tentativa, por parte do nosso avaliador, de quantificar alguma coisa sobre nós.

É fácil entender sobre o que estamos falando: muitas empresas estruturam suas avaliações com base no paradigma dos comportamentos e dos resultados (ou "o que" e "como"). No lado dos comportamentos, pede-se que colaboradores avaliem uns aos outros, por exemplo, com base na frequência com a qual alguém apresenta um dado comportamento como "trabalhar em equipe". Assim, ficamos sabendo que nossos colegas acham que "trabalhamos em equipe" "sempre", ou "consistentemente".

Essa avaliação que recebemos serve, claro, de feedback com o qual podemos calibrar nossos comportamentos. É isso, claro, que as empresas que usam a avaliação 360 graus esperam que aconteça: que eu continue "trabalhando em equipe" (seja lá o que isso quer dizer) dado que meus colegas reconhecem que faço isso com "consistência". Mas veremos um pouco à frente que esse objetivo nem sempre é atingido quando o assunto é avaliação.

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Como funcionam as avaliações 360, 180 e 90 graus?

Uma grande discussão que o próprio termo "avaliação 360 graus" levanta é a questão do uso da analogia dos graus como forma de descrever quem avaliará um dado profissional.

As empresas chamam de avaliação 360 graus aqueles processos de avaliação em que a pessoa colaboradora é avaliada por um conjunto de pessoas, como:

  • si mesma (a chamada auto-avaliação);
  • seus colegas (aqueles que reportam ao mesmo gestor da pessoa avaliada);
  • clientes internos;
  • liderança;
  • liderados (ou reportes diretos).

Até aí, muito fácil. O problema é que muita gente de RH tenta usar a mesma analogia dos graus para descrever outros tipos de avaliação. Aí é que a coisa fica mais difícil. Alguns se referem à avaliação 90 graus como aquela em que apenas a liderança avalia seu liderado.

Outros se referem à avaliação 180 graus como a soma de uma avaliação 90 graus (da gestão direta) e uma auto-avaliação. Alguns coaches falam até em avaliações 720 graus, em que além de todo mundo do trabalho, a pessoa avaliada também recebe inputs dos seus familiares.

Porém, nesse caso, a coisa pode ficar muito confusa. Então, atenha-se a usar os 360 graus mesmo. Se você quiser usar o termo correto, chame-a de avaliação multi-avaliador (multi-rater, em inglês), que é o termo utilizado pelos psicólogos organizacionais e industriais que inventaram a prática.

Bônus: Por que não fazer uma avaliação 360 graus?

Visando assegurar a melhor forma de implementar os processos e garantir uma gestão cuidadosa e estratégica de pessoas, apresentamos também motivos para não fazer avaliações 360.

1. Nem sempre a avaliação 360 é mais precisa

Aumentar a precisão das avaliações é um dos principais objetivos frequentemente usados por departamentos de RH para justificar o uso de avaliações 360 graus. A tese é que a multiplicidade de avaliadores reduza o impacto que um avaliador enviesado, ou seja, com uma tendência muito forte positiva ou negativa.

Mas, se por um lado vimos acima que a inclusão de múltiplos avaliadores, incluindo uma autoavaliação, pode ser positiva para a percepção de justiça e atitude em relação ao processo, não há evidências científicas que comprovem que o uso de múltiplos-avaliadores, ou seja, o uso da avaliação 360 graus, aumente a precisão das avaliações recebidas por um colaborador.

“A ciência sugere que quando o feedback multi-avaliador é usado para a tomada de decisões, e não apenas para fins de desenvolvimento, os aplicadores devem se preparar para resultados que são potencialmente contaminados por erros de avaliação, que podem tornar indistinguíveis desempenhos bons de desempenhos medíocres, e que podem limitar o valor de tais avaliações para fins de desenvolvimento”. (Anthony Dalessio)

A ciência mostra que o argumento da "precisão" das avaliações 360 graus é bastante frágil. Dependendo do uso da avaliação, a precisão das notas cai abruptamente. É o caso dos processos cujas avaliações são usadas para a tomada de decisões de gente (como quem deve ser promovido, movimentado, desligado, ou ganhar aumentos e bônus por desempenho), que causam uma inflação significativa das notas dadas.

Ou seja, na média, os avaliadores avaliam de maneira mais positiva ou benevolente se entendem que as avaliações serão usadas para decisões (Murphy e Cleveland, 1995, p. 246).

2. Cuidado com a relação autoimagem x desenvolvimento

Em um artigo fundamental para qualquer profissional de RH que quer entender mais sobre avaliações 360 graus, Angelo DeNisi e Avraham Kluger discutem méritos, deméritos e melhores práticas para a adoção de avaliações 360 graus.

Um dos principais riscos apontados pelo par de pesquisadores é o risco de a avaliação levar o avaliado a questionar a imagem que ele tem de si próprio. Segundo eles, isso pode piorar significativamente a capacidade do avaliado de se desenvolver, ou seja, melhorar sua performance, com base nas avaliações recebidas.

"Caso o feedback foque sua atenção na imagem que o avaliado tem de si mesmo, seja porque é pessoal, ou porque está intimamente relacionado à autoimagem detida pelo avaliado, o desempenho subsequente do avaliado tende a sofrer".

3. Impulso de apresentar autoavaliação e avaliação

Ainda, diversas empresas insistem em apresentar aos seus colaboradores relatórios de avaliações de desempenho (sejam elas 360 graus ou não) que incluem algum tipo de comparação entre as autoavaliações realizadas pelo avaliado e a avaliação dos outros grupos de avaliadores, como pares, gestor e liderados.

Segundo DeNisi e Klugger, tais apresentações comparativas pioram muito a chance de o avaliado melhorar com base no processo.

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