Recebemos muitos potenciais clientes aqui na Qulture.Rocks que têm como desafio implementar algum tipo de avaliação de performance em suas empresas.
Os motivos variam: às vezes, é uma diretiva do CEO da empresa, que por algum motivo, "encasquetou" com o assunto; às vezes são os funcionários que estão ansiosos por algum tipo de plano de carreira, necessidade que puxa algum processo formal de avaliação que possa servir de critério para promoções; às vezes a empresa precisa de algum tipo de critério para dar aumentos aos seus funcionários, e acha que uma avaliação de performance vai ser a bala de prata dos seus problemas.[1]
Geralmente, esses clientes estão bem confusos quanto a quais metodologias devem usar para estruturar essa primeira versão de suas avaliações de performance. As principais dúvidas são:
- Devo avaliar competências?
- Com que frequência devo fazer o processo? Semestral? Anual?
- Devo dar notas aos funcionários (1 a 5, por exemplo)? Devo usar apenas critérios de texto (abaixo, atende, acima)? Devo misturar os dois?
- Quem deve avaliar quem? Apenas gestores avaliam seus liderados? Devo fazer uma autoavaliação? E os pares? Devem avaliar uns os outros?
- E os valores da cultura? Onde entram nessa história?
- Como fazer a avaliação ser menos subjetiva?
Resolvemos escrever um artigo explicando como você deve começar a fazer avaliações de performance na sua empresa, e depois de explicada nossa recomendação, responder pergunta a pergunta dessas acima. Bora?
Como começar a fazer avaliação de performance?
Se sua empresa nunca passou por algum processo de avaliação de performance, é razoável pensar que podemos presumir algumas coisas sobre ela:
- Os funcionários têm baixa maturidade: liderados têm baixa maturidade profissional, e os líderes têm, muito provavelmente, baixa maturidade como gestores de pessoas;
- A empresa têm baixa maturidade: há pouca cultura de mensuração de resultados, que se observa através de KPIs bem definidos por área, gestão à vista, processos de gestão cadenciados (como reuniões de planejamento semanal e reuniões mensais de resultado);
- A empresa não tem (ou tem há pouco tempo) um programa de cargos e salários ou competências corporativas bem definidos.
Também faz sentido presumir que o que você precisa agora é de desenvolvimento de performance: de conversas claras e diretas sobre performance, que gerem feedbacks e feedforwards claros e acionáveis [2] para que "a empresa" (o conjunto mágico das suas pessoas) passe a gradativamente entender o que é esperado de cada um, criar uma cultura de desenvolvimento, efetivamente melhorar sua performance (através, como vimos, da melhora do desempenho das suas pessoas). Ou seja, insumos para decisões como bônus, promoções e plano de carreira são absolutamente secundários nessa fase incipiente da gestão de performance [3].Sendo assim, faz muito pouco sentido começar com algo complexo. E por complexo, você vai ver, entendemos praticamente tudo que não sejam algumas poucas perguntas de texto.
Nosso modelo de avaliação de performance
O que sugerimos nessa etapa é começar com um conjunto de 3 perguntas que cada gestor deve responder para seus liderados. Chamamos esse processo de check-in de performance:
- No que o liderado pode melhorar (resultados e comportamentos)?Nessa pergunta o gestor deve fazer uma análise do que não está indo tão bem, como isso está impactando negativamente seu liderado, a equipe e a empresa, e sugerir mudanças claras e objetivas (que podem ser transformadas em planos de ação) que o liderado deve adotar para reverter o quadro. Portanto lembre-se, a resposta a essa pergunta tem três partes:
- O que não está indo tão bem;
- Como isso impacta negativamente o liderado, a equipe e a empresa;
- Como melhorar na prática.
- No que o liderado está mandando bem (resultados e comportamentos)?Aqui, a coisa funciona de maneira análoga à pergunta 1. O que muda é que o gestor deve identificar os pontos que estão indo bem.
- O que está indo bem;
- Como isso impacta positivamente o liderado, a equipe e a empresa;
- Como continuar mandando bem nessa atividade/área/entrega, ou como potencializar os resultados dessa "força" através de mentorias com outros funcionários que possam melhorar, ou treinamentos para colegas da empresa.
- Quais devem ser as prioridades para os próximos X meses (entregas, resultados e desenvolvimento do funcionário)?Nessa pergunta, líder e liderado definem grandes prioridades para o próximo ciclo de trabalho. Se a empresa trabalhar com OKRs (Objectives and Key-Results) ou metas, muito dessa discussão gira em torno de quais devem ser as metas do liderado. Se não houver prática formal, o gestor deve apontar áreas prioritárias de foco ou projetos e entregas que o liderado deva realizar para que a empresa chegue mais perto de suas metas ou de sua missão [4].No aspecto comportamental, devem ser identificadas uma ou duas áreas-foco em que o liderado deva focar seus esforços de desenvolvimento (provavelmente um ou dois temas identificados na pergunta 1, "pode melhorar"). Algo como o MVP de um Plano de Desenvolvimento Individual.
Uma possibilidade adicional às três perguntas acima é algum tipo de autoavaliação, que traga mais reflexão e autoconhecimento ao liderado no processo. Esta é a única motivação válida para a empresa incluir algum tipo de autoavaliação no processo. Na nossa visão, as perguntas da auto seriam muito parecidas com as perguntas da avaliação do gestor:
- Quais foram os principais resultados atingidos e entregas realizadas nos último X meses? Aqui cabe uma retrospectiva dos últimos X meses (onde X é o período de tempo compreendido entre as avaliações de performance), em que o funcionário deve discutir os resultados que atingiu e os esforços que engendrou para atingi-los. Resultados são impactos práticos em KPIs (vendas, taxas, índices etc) e entregas de projetos (implementações, estudos etc). Deve ser encorajada uma discussão de Mission-2-Metrics: como o liderado entende que ajudou a empresa a chegar mais perto das suas metas e da sua missão com seus esforços e resultados individuais.
- No que o liderado/você pode melhorar (resultados e comportamentos)? A mesma estrutura de resposta das perguntas 1 e 2 do gestor deve ser aplicada.
- No que o liderado/você está mandando bem (resultados e comportamentos)? Idem.
Agora que discutimos como achamos que deve ser a sua avaliação de performance, vamos às FAQs relacionadas à nossa sugestão.
Não há nenhuma questão quantitativa na avaliação de performance? Não há nenhuma "nota"?
Não há notas. Vá digerindo isso.
Em primeiro lugar, pense bem: você precisa mesmo de notas ou conceitos? Qualquer tentativa de tornar a avaliação de performance mais quantitativa se baseia na necessidade de diferenciar os funcionários uns dos outros. Diferenciação serve para tomar decisões: quem deve ser promovido, quem deve receber aumentos, quem deve receber bônus, etc. Se sua empresa não tem programa de bônus, ou se é pequena (menos de 500 funcionários), ou se tem poucas vagas ou poucos candidatos internos para as vagas que estão se abrindo todo ciclo, você não precisa de um processo estruturado de diferenciação: os gestores, os executivos e o RH sabem quem está preparado ou quem vem performando o suficiente para as poucas decisões de gente a serem tomadas.
Em segundo lugar, sua impressão de que notas tornam a avaliação de performance menos subjetivas é apenas isso: uma impressão, e aliás, uma impressão bem subjetiva. Quer um exemplo? "Avalie de 1 a 5, sendo 1 pouco e 5 muito, o quão subjetiva você acha uma avaliação sem notas…"Avaliações de performance são sempre subjetivas. E torná-las menos subjetivas (com People Analytics, muito treinamento e sessões de calibração ou avaliação colegiada) tomam um investimento muito alto. Alto demais para essa etapa da sua empresa na jornada da gestão de desempenho.
Se a empresa não tem uma maturidade enorme sobre o que é esperado de cada um, quais são as principais alavancas de resultado, e qual a "régua" de avaliação, o processo de avaliação quantitativa vira nada menos do que um processo de garbage-in, garbage-out, ou seja, os resultados numéricos finais valem muito pouco.
Em terceiro lugar: o que importa para a gestão do desempenho (medir e melhorar) é a qualidade dos feedbacks e feedforwards sendo trocados: como, na prática, o funcionário pode e deve melhorar. Saber que é um 3, ou 4, não é actionable. Pelo contrário, é muito provavelmente um grande matador de motivação.
Por que não avaliar competências?
Leia Sua Empresa Não Sabe Avaliar Competências.
Com que frequência devo fazer o processo de avaliação de performance? Semestral? Anual?
Segundo Jeff Immelt, CEO da GE desde 2001, "nos dias de hoje, fazer qualquer coisa uma vez por ano não faz sentido. É simplesmente bizarro". A não ser que você trabalhe em uma repartição pública das mais estagnadas, um ano é tempo demais para qualquer processo.
Ainda mais com uma força de trabalho jovem, composta crescentemente por millennials, um ano é tempo para seu funcionário morrer de ansiedade.
Assim, nossa sugestão é que você faça seu ciclo de avaliação de performance (que deve ser chamado de check-in de performance) pelo menos 4 vezes por ano. Dependendo do estágio da sua empresa (quanto mais jovem, mais frequente) ou demografia média dos funcionários (quanto mais jovens, mais frequente), um ciclo mais curto pode ser ainda melhor.
Quem deve avaliar quem? Apenas gestores avaliam seus liderados? Devo fazer uma autoavaliação? E os pares? Devem avaliar uns os outros?
Pra começar, gestores avaliam liderados. Se você estiver inspirado(a), deixe seus funcionários se autoavaliarem. Isso aumenta seu grau de autoconhecimento.
Pares devem dar feedbacks para pares, mas espere um pouco para inserir esse componente de feedback 360-graus no seu processo de gestão de desempenho: ele pode, e deve, ficar para depois, só vindo após o processo básico estar bem estabelecido e amadurecido.
E os valores da cultura? Onde entram nessa história?
Em um lugar muito simples: peça aos seus líderes que levem em conta os valores e comportamentos da sua cultura quando fizerem as perguntas de "mandando bem" e "pode melhorar". Peça que identifiquem exemplos de situações em que eles representaram - ou deveriam ter representado - os valores, e idéias de como podem fazê-lo com maior frequência e intensidade.
Notas
[1] Raramente, no entanto, recebemos um potencial cliente buscando uma avaliação de performance que melhore a performance dos seus funcionários. Veja, há um enorme problema nisso: avaliação de performance é um dos pilares da gestão de performance, conjunto de práticas de RH que têm como objetivo melhorar a performance das empresas através da melhora da performance das pessoas (não entra aqui, claro, a melhora da eficiência de uma máquina, ou um corte de despesas financeiras).
[2] Se você tiver alguma tradução razoável para "actionable", mande um email para kiko@qulturerocks.com. Estou buscando essa palavrinha há meses. Por "actionable", entenda "que me gere sugestões práticas/um plano de ação de melhoria".
[3] Recebemos vários clientes que estão atrás de avaliações bastante quantitativas que alimentem seus processos de tomada de decisões. Mas quando os questionamos sobre quais decisões têm de ser tomadas, acabamos percebendo que a) não há lucro a ser distribuído, b) não há programa de remuneração variável, c) há programa de remuneração variável, mas a empresa não consegue "diferenciar" as performances e de fato pagar de maneira variável, portanto paga a todos de maneira igual, ou d) não possui cargos.
[4] Mission-2-Metrics: é muito importante que essa discussão de prioridades seja baseada na reflexão de como o funcionário contribui para o todo da empresa. Chamamos esse conceito de Mission-2-Metrics, ou, em uma tradução, Da-Missão-às-Métricas. Esse conceito pode ser ilustrado pelo seguinte trecho de um artigo de um sócio da aceleradora americana Y-Combinator, que fala sobre um amigo que visitou a SpaceX, empresa que quer levar o homem a colonizar Marte, e perguntou a um funcionário da fábrica o que ele fazia:"Seeing a SpaceX employee assembling a large part, he stopped to ask him, “What is your job at SpaceX?” He answered, “The mission of SpaceX is to colonize Mars. In order to colonize Mars, we need to build reusable rockets because it will otherwise be unaffordable for humans to travel to Mars and back. My job is to help design the steering system that enables our rockets to land back on earth. You’ll know if I’ve succeeded if our rockets land on our platform in the Atlantic after launch.” The employee could have simply said he was building a steering system for landing rockets. Instead, he recited the company’s entire “Mission-to-Metrics” framework. That is alignment."
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