Na semana passada o banco de investimentos Credit Suisse soltou um relatório sobre a ação da Kraft Heinz em que recomenda a venda dos papéis por achar que eles estão sendo negociados acima do seu valor justo. Ou seja, que estão caras, e que os investidores que hoje detêm o papel da empresa devem perder dinheiro se continuarem segurando suas ações em carteira.
Até aí, mais um dia em Wall Street.
O que chamou demais a atenção de quem leu o relatório foi que ele mais parecia ter sido escrito por um executivo de RH do que por um analista de ações sell-side. E eu já li muitos relatórios desse tipo, tendo trabalhado no mercado financeiro por 10 anos antes de fundar a Qulture.Rocks. Robert Moskow, analista que cobre o papel pelo banco, falou sobre turnover, sobre insatisfação de funcionários, e até sobre cultura, tema considerado mais do que fluffy pelos durões do mercado. Nas suas palavras:
“That said, all of the industry contacts we contacted expressed concerns around the sustainability of operating the Kraft Heinz business with this culture. In particular, they said that the turnover rate at Kraft Heinz has increased to an alarming level and increased the execution risk at the company. We find it quite telling that the company chose not to publish its turnover rate in its February 2018 presentation in the section called “Recruit, Develop and Align our People.” With bonuses getting cut to close to zero in 2017, turnover rates are likely to remain very high.”
— Robert Moskow, Credit Suisse
O fit cultura x setor
Trocando em miúdos, Moskow diz que a empresa tem uma cultura de certa maneira incompátivel com a indústria de alimentos: as horas e a intensidade de trabalho não fomentam uma cultura de inovação de produtos, cada vez mais necessária no ramo. A herança do fundo 3G Capital, fundado por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, funciona muito bem para o corte de custos e para a execução, mas muito pouco em uma indústria que precisa se reinventar sob o ataque de orgânicos, veganos e afins.
O relatório cita também que a empresa tem uma taxa de conversão de trainees e estagiários de verão (que trabalham para a empresa durante seus recessos de meio de ano) de apenas 30% para posições em tempo integral, apontando que a grande maioria desses jovens profissionais opta por não fazer carreira na companhia após um test drive de três meses.
O Glassdoor como indicador de saúde cultural
A surpresa maior veio uma semana da publicação do artigo. Como noticiado no Brazil Journal, do jornalista de economia e negócios Geraldo Samor, o banco fez um relatório na sequência do original citando fatos e dados que comprovam sua tese de que a empresa tem um problema de cultura, e analisou as notas dadas por funcionários e ex-funcionários no site de avaliação de empregadores americano Glassdoor (empresa inspiração e hoje dona da operação da startup brasileira Love Mondays), concluindo que a empresa tem as piores avaliações dentre todos os pares do setor alimentício: apenas 29% dos avaliadores recomendariam a empresa como um bom lugar para se trabalhar para um colega ou amigo, e pior ainda, apenas 27% dos avaliadores recomendariam o CEO da empresa, Bernardo Hees, como gestor para um colega ou amigo. A empresa ficou significativamente atrás de nomes como Unilever e General Mills, como se pode ver pela imagem abaixo, publicada pelo jornal:
Ou seja, não se pode mais ignorar o quanto sua cultura afeta seu negócio: até os mais céticos - a turma do mercado financeiro - está se ligando na importância do tema.