Lew Alcindor, que depois mudou seu nome para Kareem Abdul-Jabbar, com o técnico John Wooden em 1969. Fonte: NY Times.

Quase sempre lemos gente interessante do mundo dos negócios fazendo analogias entre culturas empresariais de alto desempenho e times esportivos de alto desempenho. Nos EUA, é muito comum que executivos leiam e aprendam com livros sobre técnicos legendários como John Wooden, Bill Walsh e Bob Knight, que também fazem a alegria de conferências e simpósios sobre gestão.

Neste artigo, vamos analisar como grandes técnicos do esporte podem servir de referência para culturas incríveis e de alto desempenho- um tema de que gostamos muito aqui na Qulture.Rocks (não é a toa que temos esse nome!). Vamos falar sobre como gestores devem ser mais parecidos com técnicos nos seus feedbacks de desempenho; sobre o que um grande técnico de Hockey americano pode nos ensinar sobre avaliações de desempenho; e sobre o que Carlos Brito, CEO da AB Inbev, acha da meritocracia no  ambiente empresarial!

Feedbacks

Todo técnico esportivo necessariamente dá feedbacks constantes aos seus treinados. Não tem como ser diferente. No futebol, assim como em outros esportes onde o técnico pode interagir com seus jogadores durante o jogo, é comum vermos os técnicos na beira do campo ou quadra dando instruções constantes para os jogadores, relacionadas a jogadas táticas, chutes, arremessos e afins.

No trabalho, no entanto, os gestores nem sempre dão instruções claras e construtivas sobre como seus liderados devem melhorar. Muitas vezes, colaboradores ficam o ano todo sem feedbacks, e apenas recebem algum tipo de "feedback" durante o processo de avaliação de desempenho anual. Imaginem só se seria possível um jogador ficar sem instruções do seu técnico durante toda uma temporada, ou até durante todo um campeonato. Não faz sentido, certo?

Portanto, gestores têm que ser mais como técnicos, dando direcionamento constante aos seus liderados.

Avaliações de desempenho

A ex-VP de Gente da Netflix, Patty McCord, usa o esporte como metáfora também para descrever as avaliações de desempenho na Netflix. Ela relata [1] um painel de que participou ao lado de Scott Bowman, que foi técnico de Hockey dos Red Wings, dos Penguins e dos Canadiens, e que ganhou 9 títulos da Stanley Cup, maior campeonato de Hockey do mundo.

Segundo McCord, no evento, o moderador pergunta a Bowman: "Sr. Bowman, você treinou tanto grandes jogadores com tanto sucesso. Qual é seu segredo? Como você dava feedback para eles?" E Bowman respondeu: "Bom, a gente jogava uma temporada de oitenta jogos, e a cada dez jogos eu sentava com cada um dos jogadores individualmente. Eu trazia todas as suas estatísticas de jogo e pedia a outras pessoas - aos colegas de time e aos outros membros da comissão técnica - que me passassem feedbacks em relação ao jogador. Eu pedia uma autoavaliação ao jogador também. E então tínhamos uma conversa sobre o que precisava acontecer nos próximos dez jogos.

"Então o moderador disse: "Obrigado Sr. Bowman." e seguiu com uma pergunta a McCord: "Patty, você é bastante conhecida por não acreditar na avaliação de desempenho anual. Mas eu nunca ouvi você sobre o que você sugere em vez dela" e ela respondeu, "Isso que ele acabou de descrever!" Ou seja, McCord sugere que as avaliações sejam mais frequentes do que uma vez por ano, assim como Bowman não espera uma temporada inteira para ser técnico dos seus jogadores. Ela sugere conversas mais rápidas que, mesmo que não venham para substituir a avaliação anual completamente, podem ser sobrepostas ao processo original da empresa, ou seja, coexistirem.

McCord também acredita bastante na importância de cada colaborador receber inputs (= feedbacks) de colegas e liderados. Ela diz que "se o feedback construtivo está vindo de colegas e outros pares, fica muito mais difícil cair na racionalização de que o chefe é simplesmente ruim ou enviesado e que tem um problema pessoal conosco".

Meritocracia

Patty McCord, da Netflix, também fala sobre a importância da meritocracia, tanto no esporte quanto nas empresas. Segundo a executiva, é fácil compreender porque um técnico de esporte tem que ser meritocrático: "todo mundo entende perfeitamente que um técnico está deixando sua torcida e o seu time na mão se não substitui um jogador que não está jogando bem. Ganhar o jogo é o único critério de sucesso para um time esportivo, e é por isso que não só jogadores mas também o técnico é substituído prontamente nos melhores times." Ou seja, nas empresas, assim como nos esportes, a empresa precisa ser meritocrática e substituir quem não está produzindo.Outro grande executivo que usa comparações esportivas para explicar a cultura de sua empresa é Carlos Brito, CEO da AB Inbev, gigante cervejeira norte-americana controlada pelos empresários brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles, e Alberto Sicupira. Em uma palestra para alunos de Stanford, Brito diz que quando entramos na escola, somos expostos ao primeiro ambiente meritocrático de nossas vidas. Somos constantemente avaliados; nossas metas (notas mínimas, ou "a média") são bastante claras; recebemos feedbacks claros e constantes (através das notas de provas e outras avaliações) e, por fim, cada um têm de "carregar seu peso", ou seja, estudar, para atingir seus objetivos, pois as provas são geralmente individuais.Quando crescemos um pouco, chegam os esportes. O esporte insere mais fortemente o conceito de trabalho em equipe, ainda num ambiente meritocrático. Segundo Brito, não há feedback mais claro do que o banco de reservas. Quem é melhor fica no time titular.  Quem é pior fica no banco de reservas. Além disso, o técnico faz o papel de líder, que deveria ser emulado por executivos no seu dia-a-dia profissional: dão feedbacks constante aos seus jogadores (inclusive durante o jogo), e aplicam a dose certa de pressão para motivar o melhor desempenho possível.Segundo Brito, na nossa juventude estamos perfeitamente confortáveis com a meritocracia da escola e dos esportes. É no trabalho que isso se perde.

Mundo corporativo: onde ocorrem os desvios

Segundo Brito, é no mundo corporativo em que a meritocracia se perde. Líderes caem na tentação de levar outros fatores em conta, como tempo de casa, anos de experiência, fidelidades pessoais e alianças políticas. Assim, acabam criando um ambiente em que gente boa fica descontente pela falta de reconhecimento, e gente ruim se sente à vontade para continuar tendo uma performance medíocre, dado que não há consequências.Ainda segundo Brito, ser realmente meritocrático é um grande desafio. A dificuldade começa em lidar com quem não está gerando os resultados e comportamentos desejados para a empresa. Dar feedback construtivo pode ser desgastante. Uma demissão, que no caso da AmBev ocorre usualmente após três sessões de feedback negativo, pode ser ainda mais traumática para o líder. No entanto, os efeitos positivos valem a pena: o profissional medíocre tem de buscar um novo ambiente em que possa florescer profissionalmente; abre-se uma vaga para um bom profissional ser promovido. Brito comenta: “Sim, haverá gente na lanterna. E é essa a ideia: que as pessoas na lanterna se sintam mal e que queiram ir pro topo”. Fazer com que os funcionários saibam sua performance em relação aos colegas incentiva uma competição saudável, que reforça o ciclo de feedback positivo do sistema de prêmios e “punições”’.

Liderança

John Wooden, legendário técnico de basquete universitário americano, é um grande exemplo de liderança, tendo vencido 7 campeonatos nacionais universitários pela UCLA. Um dos grandes exemplos da liderança de Wooden era sua capacidade de ter um time reserva composto de estrelas, que muito provavelmente seriam titulares em outros times.Wooden os mantinha no banco de reservas, mesmo sendo totalmente claro com eles de que não jogariam, muito provavelmente, nenhum jogo. Ele acreditava ser importante manter a coesão do time, fazendo poucas substituições. Isso era, naturalmente, difícil de ser assimilado pelos jogadores, que podiam perder motivação rapidamente sabendo que não jogariam nos jogos "para valer", e apenas nos treinos.Sobre isso, Wooden fala: "eu queria que os jogadores entendessem que eu colocaria sete, provavelmente nunca mais do que oito jogadores, para jogar. E meus jogadores precisam aceitar isso… Acredito que temos uma continuidade melhor assim. Assim os titulares ficam mais acostumados a jogarem juntos, muito mais do que se eu estivesse constantemente fazendo substituições. Eu queria que os titulares tivessem muito tempo juntos em quadra para que aprendessem e conhecessem uns aos outros."Ao contrário de fazer promessas vazias de jogos que nunca viriam, Wooden deixava claro que os reservas eram, sim, importantes, apesar de não jogarem: eles precisavam ser excelentes para que pudessem jogar nos treinos contra os titulares, dando a eles um desafio muitas vezes maior do que o que os titulares tinham em um jogo de campeonato. Era como se o time de reservas de Wooden fosse melhor do que outros times titulares da liga.E isso fica claro quando ficamos sabendo que Wooden ganhou 7 títulos na liga universitária norte-americana pela UCLA. Segundo Wooden, "os reservas são necessários. E eu precisava que soubessem disso. Eles servem para desenvolver ao máximo os jogadores titulares nos treinos… e substituí-los caso haja uma contusão ou doença ou algum outro motivo que nos faça perder um dos jogadores titulares. Eles têm de estar prontos para entrarem. Se os reservas são ruins, os titulares não melhoram. Então eu precisava explicar constantemente aos reservas o quanto precisávamos deles. Acho que isso tomava um grande esforço para que tivéssemos certeza que houvesse harmonia no grupo e no todo."Se mais líderes do mundo corporativo fossem como Wooden, talvez mais empresas fossem capazes de desenvolver efetivamente suas práticas de gestão e motivação de colaboradores. Atingir uma cultura organizacional de alto desempenho não é tarefa fácil, porém se buscarmos as informações e inspirações certas, o caminho pode ser bem mais claro.[1] Patty Mccord, em Powerful: Building a Culture of Freedom and Responsibility at Netflix, livro recém lançado nos EUA.