"Talvez o aspecto mais intrigante do conceito de cultura é que ele nos aponta para fenômenos que estão debaixo da superfície, que são poderosos em seus impactos mas invisíveis e até certo ponto inconscientes… a cultura é para um grupo o que a personalidade é para um indivíduo. Podemos ver o comportamento dela resultante, mas muitas vezes não conseguimos ver as forças escondidas que causam certos tipos de comportamentos." - Edgar Schein
Edgar Schein, professor de Harvard e grande especialista em cultura organizacional, fala sobre um tema muito interessante: o fato da cultura ser uma força muito importante na direção dos comportamentos dentro de uma empresa mas frequentemente estar abaixo da superfície, invisível. Há algum tempo ouvi um outro comentário parecido: de que cultura é como a parte invisível de um iceberg.
A cultura sem dúvida opera por "debaixo dos panos" em uma empresa. Ela é, em essência, uma abstração dos comportamentos, valores e artefatos. Ela não pode ser "lida", "transmitida" nem "influenciada". Cultura é um lagging indicator. Não se pode mudar cultura. Não se pode atuar na cultura. Ela é o produto da interação dos valores, dos comportamentos, dos artefatos, das histórias, etc (leia mais em "o que é cultura organizacional?").
A grande confusão
Me deparei com esse assunto quando estava pesquisando sobre o tema para escrever nosso livro, Qulture.Rocks Sobre Cultura. Uma das coisas que fiz foi pesquisar as páginas de valores e cultura de algumas empresas conhecidas no nosso dia a dia. O que encontrei me surpreendeu:
- Um grande banco (talvez o maior) se diz uma "ditadura do argumento". Um lugar onde a substância vence a discussão, e não a hierarquia, o poder ou o status na organização;
- Uma grande empresa de alimentos que mostra trechos do seu manual de ética, em que prega uma relação ética (leia-se correta) com fornecedores, clientes e o governo;
- Uma grande construtora que tem como um dos seus valores a integridade em todas as suas atividades.
Até aqui nenhuma novidade, certo?
O interessante é que o grande banco é, e isso sei por experiência própria e em segunda mão de amigos e conhecidos que lá trabalham, uma das empresas mais burocráticas, formais e hierárquicas que já vi na vida. A empresa de alimentos e a construtora, por outro lado, estão metidas até a raiz em operações de delação premiada, acordos de leniência e escândalos de corrupção.
Nessa hora, me dei conta de que há, sempre, duas "culturas" coexistindo em uma empresa: a cultura implícita, real, as is, que é o produto da interação de valores, histórias, exemplos, artefatos, etc, e a cultura explícita, que é como a empresa e seus membros falam sobre como é e/ou como deveria ser sua cultura.
Cheguei à conclusão de que talvez as lacunas entre as culturas implícita e explícita dessas empresas cujos sites institucionais eu tinha olhado eram enormes, mas que se formos rigorosos, qualquer empresa tem algum grau de lacuna entre essas duas culturas.
Onde se observa a cultura explícita
Uma empresa fala de sua cultura em diversos foros. Muitos desses são artefatos, mas também podem ser rituais. Vamos a alguns exemplos:
- Valores escritos na parede ou nos mais diversos produtos de papelaria (artefato);
- Manual do funcionário que fala sobre seus valores (artefato);
- CEOs e executivos podem falar sobre os valores da empresa, sobre "como fazemos as coisas aqui", em reuniões, conferências e off-sites (rituais).
A existência de menções à cultura não significa, no entanto, que estejam se referindo fielmente à cultura da empresa: pode haver um descompasso às vezes enorme entre o que se fala e o que se vê.
O grau de sobreposição entre a cultura implícita e a cultura explícita de uma organização é um fator muito importante para qualquer esforço de reforço ou mudança cultural. Lacunas muito grandes talvez sejam os casos mais frustrantes para todos que experimentam o dia a dia de uma organização.
Acreditamos que a cultura explícita pode ser uma grande ajuda na construção, reforço ou mudança de uma cultura implícita. Mas isso não quer dizer, de maneira nenhuma, que são a mesma coisa.
Gostou? Este artigo é um capítulo do nosso livro, Qulture.Rocks sobre Cultura, que você pode baixar aqui.